Cansaço extremo, jornadas prolongadas e alerta constante. Equipes de saúde, profissionais do setor administrativo dos hospitais, funcionários que realizam a limpeza e desinfecção dos leitos enfrentam uma rotina exaustiva que já dura quase seis meses.

O primeiro caso de Covid-19 em Londrina foi confirmado em 17 de março. A primeira morte ocasionada pela doença foi registrada em 3 de abril. Neste domingo (6), a Secretaria Municipal de Saúde divulgou o maior número de casos ativos desde o início das estatísticas. São 729 pacientes monitorados, sendo 55 em UTIs, 42 em leitos de enfermaria e 632 em isolamento domiciliar. Já foram confirmados 6.880 casos de Covid-19 em Londrina, 188 pessoas morreram com a doença.

Imagem ilustrativa da imagem Médica relata rotina na UTI com aumento nos casos de Covid-19 em Londrina
| Foto: Geraldo Bubniak/AEN

O boletim oficial divulgado no final da tarde apontou ainda 80% de ocupação dos leitos gerais de UTI adulto para atendimentos pelo SUS e convênios particulares e 79% de ocupação dos leitos de UTI do SUS voltados exclusivamente para os casos de Covid-19.

“Estamos vivenciando algo que em 35 anos como médica na área de infectologia, além dos 6 anos de formação, ou seja, em 41 anos, ainda não tinha visto. Passamos por surtos de meningite em que crianças tinham quadro súbito de febre e chegavam muito graves ao hospital, algumas morriam a caminho com quadros fulminantes; depois vieram a Aids, o H1N1, a dengue… Antes tivemos a malária, a tuberculose... Enfim, características diferentes, mas nada igual a esse cenário. A evolução dessa pandemia é, para mim e tantos outros profissionais, alarmante, desafiadora e angustiante. Está além do que esperávamos. Precisamos lembrar que não bastam leitos e aparelhos. Precisamos de pessoas, profissionais de enfermagem, fisioterapia, nutricionistas, técnicos em radiologia, técnicos em manutenção de equipamentos hospitalares, auxiliares da limpeza, médicos e não se formam profissionais em dias ou meses”, relata a infectologista Dayse De Pauli.

“As equipes, apesar de muito dedicadas, estão com cansaço extremo. Dobram as 12 horas de trabalho e convivem com o sofrimento de perto. No início, o medo de adquirir a infecção. Hoje esse receio é menor. Os vejo trabalhando duro. Já presenciei enfermeira trabalhando com febre porque já havia dois colegas afastados e ela não poderia deixar os demais sozinhos. As UTIs são locais onde o milagre acontece. Devemos estar sempre alertas para ver pequenos sinais de piora e pequenos sinais de melhora para otimizar o tratamento. Dependemos de um bom laboratório, medicamentos, aparelhos em bom estado, uma administração ágil. É onde cada qual é guardião do outro. A angústia ocorre nas emergências, pois cada segundo é precioso. Angustiante é não ter como receber alguém que necessita desses cuidados ou, quando apesar de todos os cuidados e esforços, nosso paciente não suporta.”

Antes do início da pandemia, a infectologista, que atuou por 20 anos em UTIs, permanecia mais no consultório médico. Porém, diante do cenário preocupante, ela voltou a dedicar boa parte da jornada de trabalho aos pacientes atendidos em hospitais da cidade.

“Reaprendi protocolos de ventilação, sedação, monitores que hoje estão muito melhores. É apaixonante. Senti mais forte a necessidade de olhar nos olhos do outro. Atualmente, necessitamos estar com o rosto coberto pelas máscaras. Isso exige um olhar ainda mais profundo para o outro. O cenário, sem ser alarmista, é devastador. Sabemos que 85% dos infectados terão a doença de forma leve a moderada, mas 5% precisarão de UTI. Com um número tão grande de casos, nenhuma estrutura atual comporta.”

Para a profissional, o momento é de reforço nos cuidados básicos para evitar a infecção: uso de máscaras, higienização das mãos e distanciamento social.

“As recomendações são claras. No entanto, não são cumpridas. A orientação é de que se evitem aglomerações desnecessárias, festas, eventos sociais, churrascos, futebol. Os bares noturnos estão lotados como se a pandemia tivesse acabado e não fosse tão grave. As pessoas querem voltar ao ‘normal’, onde a vida do outro não tem valor. Querem voltar ao seu momento de lazer. Ficar em casa com a família, ou seja, com as pessoas que moram no mesmo ambiente, não deve ser um sacrifício, mas sim um momento de aprendizado, de aproximação. Já tivemos mortes por falta de leitos, de estrutura física e de pessoal. Vale pensar que pode ser você, seu filho ou seu esposo que não terão a chance do tratamento se nós não tomarmos a nossa responsabilidade sobre esse momento pandêmico da Covid-19”, finaliza.