Santa Maria - Cicatrizes são marcas que, geralmente, as pessoas procuram esconder. Mas, nos sete anos da segunda maior tragédia no Brasil em número de vítimas em um incêndio, sobreviventes da boate Kiss decidiram usar as marcas, não apenas aquelas na pele, mas também as de traumas, para ajudar outras pessoas.

Fogo tomou conta do estabelecimento depois que um artefato pirotécnico usado pela banda atingiu a espuma improvisada utilizada no revestimento acústico
Fogo tomou conta do estabelecimento depois que um artefato pirotécnico usado pela banda atingiu a espuma improvisada utilizada no revestimento acústico | Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress/16-1-2018

A campanha "Janeiro Branco" reuniu seis jovens que conseguiram sobreviver ao incêndio em 27 de janeiro de 2013 para depoimentos em vídeo e uma exposição fotográfica que ressaltam a importância da saúde mental. Todos estavam na boate onde ocorria uma festa universitária em Santa Maria (a 300 km de Porto Alegre).

A alegria tomou ares de tragédia depois que um artefato pirotécnico usado pela banda atingiu a espuma improvisada que foi utilizada no revestimento acústico da boate. Ao queimar, ela liberou cianeto, matando envenenadas 242 pessoas e deixando mais de 600 feridas.

Uma das protagonistas da campanha é Juciane Bonella, 28. Ela conta que o tratamento psicológico e psiquiátrico há sete anos a ajuda. Primeiro, auxiliou a jovem a passar pela fase de luto pelas quatro amigas que morreram no incêndio.

"Num segundo momento, ajudou a me aceitar com tantas cicatrizes pelo corpo. E, agora, a voltar a ser a Juciane que havia se transformado na 'menina da Kiss', como passaram a me chamar nos lugares que frequento", diz a veterinária, que já sofreu mais de 20 intervenções cirúrgicas, pois teve 25% do seu corpo queimado.

A ideia de organizar a campanha partiu da terapeuta ocupacional Kelen Leite Ferreira, 26, que trabalha em um hospital da cidade gaúcha de Pelotas. Kelen teve a perna amputada e parte do corpo queimado no incêndio. "Acho que a campanha tem tocado as pessoas. As fotos chamaram a atenção porque as pessoas não sabem como os sobreviventes estão, que ainda temos marcas tão visíveis. Isso sem contar as marcas emocionais, que não são visíveis".

As imagens registradas pelo fotógrafo Derli Junior são fortes, mas sensíveis. Ele procurou mostrar, que passados sete anos, eles ainda levam consigo marcas físicas e psicológicas.

Além de Kelen e Juciane, participam da campanha os sobreviventes Angélica Sampaio, 27 anos, Cristina Peiter, 30, Delvani Rosso, 27, e Gustavo Cadore, 38. Em seus depoimentos, eles falam não apenas do tratamento profissional, mas de como o carinho dos amigos e familiares e também a fé os ajuda a seguir em frente. Os materiais estão sendo publicados no Instagram e no Facebook, na página Kiss que não se repita, criada pelo produtor editorial André Polga.