Mandaguari (Noroeste) iniciou recentemente a distribuição de medicamentos à base de canabidiol, substância extraída da folha da Cannabis. Desde o dia 30 de novembro, entrou em vigor na cidade de 35 mil habitantes uma lei que autoriza a entrega gratuita de cinco tipos de remédios para crianças e adultos com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e epilepsia refratária. Com preços variando entre R$ 170 e R$ 1.700, a distribuição alivia o bolso das famílias e traz esperança de mais qualidade de vida.

A entrega dos primeiros medicamentos foi feita em 30 de novembro
A entrega dos primeiros medicamentos foi feita em 30 de novembro | Foto: iStock

A prefeita de Mandaguari, Ivonéia Furtado (Cidadania), conta que, por ser enfermeira, acompanha há anos os estudos sobre a utilização do canabidiol na produção de medicamentos. A ideia de trazer esse tipo de tratamento para a cidade surgiu depois que um grupo de mães de crianças com TEA entrou em contato com vereadores. Segundo ela, a parte mais difícil para tirar a ideia do papel foi conseguir recursos para disponibilizar gratuitamente os medicamentos.

Furtado foi a Curitiba em busca de apoio financeiro do governo do Estado para fornecer os medicamentos, mas não conseguiu recursos por meio da Sesa (Secretaria de Estado da Saúde). Por conta disso, para que o município viabilizasse a distribuição, um projeto de lei foi aprovado na Câmara no início do ano. O custeio é feito a partir de agora pelos cofres municipais.

A FOLHA entrou em contato com a Sesa para solicitar dados sobre o fornecimento desse tipo de medicamento no Estado, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem. Aprovada no fim do ano passado pela Assembleia Legislativa, a Lei Pétala (N° 21.364/2023) facilita o acesso por parte da população paranaense aos medicamentos, mas o texto ainda não foi regulamentado pelo governo.

A entrega dos primeiros medicamentos foi feita em 30 de novembro. Nesse primeiro momento, o valor investido pelo município foi de R$ 868 mil em tipos de medicamentos à base de canabidiol utilizados no tratamento do autismo (do leve ao mais grave) e epilepsia refratária.

Segundo Furtado, 30 pessoas fizeram o pré-cadastro e quatro famílias já fizeram a retirada dos medicamentos. O restante está atrás da documentação necessária. Os remédios podem ser requisitados para quaisquer pessoas com mais de dois anos e que vivam na cidade há pelo menos seis meses. “São pessoas que já esgotaram todas as outras possibilidades medicamentosas”, explica Furtado.

Para ter acesso, o paciente deve passar por consulta no posto de saúde, que vai fazer o encaminhamento ao neurologista, responsável por indicar a medicação. Após o início do uso, será acompanhado pela equipe de saúde do município.

Durante a discussão do projeto de lei, aponta Furtado, ainda houve receio de parte dos vereadores em colocar à disposição da população os medicamentos à base de canabidiol. “Os relatos de melhora significativa na situação daquela criança ou adulto acabam com qualquer tabu”, pontua.

O próximo passo, segundo ela, é buscar emendas parlamentares a nível estadual e federal para dar continuidade à ação. “É importante a gente avançar cada vez mais para atender as pessoas com dignidade”, afirma.

MELHORA SIGNIFICATIVA

O analista de planejamento e controle de produção Edemilson Carvalho, 56, é pai de Murilo Rafael, de 6 anos, que tem autismo (grau 2), hiperatividade e TOD (Transtorno de Oposição Desafiante). Ele conta que o filho sofre com picos de estresse quando ouve a palavra “não”. “Ele fecha a mão e o corpinho dele chega a tremer”, relata. Além disso, o menino quase não falava.

Há cerca de três anos, o neurologista indicou o uso do canabidiol para auxiliar no desenvolvimento da fala e reduzir os picos de estresse. O menino usou o remédio por quase dois anos e hoje “já consegue entender e conversar, assim como sabe falar o que quer fazer ou comer”.

“Ele abre a geladeira, pega no armário tudo o que quer por conta própria. Se é algo que precisa esquentar no microondas, ele esquenta. Ele tem essa independência com 6 anos de idade. Foi uma evolução tremenda e eu atribuo grande parte disso ao canabidiol”, relata.

Antes, a família precisava importar o medicamento, a um custo de R$ 1.800 a cada quatro meses. Com uma melhora visível no desenvolvimento do menino, o médico decidiu retirar a medição. No entanto, Murilo voltou a ficar muito agitado. Então o neurologista determinou a retomada da medicação, coincidindo com o início da distribuição gratuita.

“Para as famílias que precisam e dependem disso é uma vitória muito grande. É um valor muito pesado. Só sabe quem tem ou convive com uma criança atípica. A gente abdica de tudo e deixa de fazer muita coisa para direcionar a renda ao tratamento”, explica.