A fila de espera por cirurgias é um antigo problema do SUS (Sistema Único de Saúde) que se agravou ainda mais durante a pandemia, quando os procedimentos eletivos foram suspensos por causa do risco de contágio do coronavírus. Assim, a espera por atendimentos, que já era longa, se tornou ainda maior e quem depende da saúde pública precisa conviver por mais tempo com problemas de saúde, que afetam a qualidade de vida e, em alguns casos mais sérios, podem se agravar e prejudicar a recuperação pós-cirúrgica.

Segundo os dados do Ministério da Saúde, 50.426 paranaenses estão na fila por cirurgias eletivas, sendo que 62% devem ser atendidos com a liberação de R$ 10,8 milhões dos recursos anunciados pelo Programa Nacional de Redução das Filas, anunciado em junho, que prevê R$ 600 milhões em investimentos, sendo de R$ 200 milhões já fora liberados aos Estados.

Em todo o país, a fila de cirurgias eletivas do sistema público chega a 1 milhão de procedimentos. Com os recursos liberados, as secretarias de saúde estaduais e municipais podem realizar mais de 487 mil cirurgias, o que representa 45% de redução da fila, conforme as projeções do Ministério da Saúde. Entre os procedimentos mais listados estão cirurgia de catarata, retirada da vesícula biliar, cirurgia de hérnia, remoção das hemorroidas e retirada do útero.

Membro da Comissão Pró-SUS do CFM (Conselho Federal de Medicina), Donizetti Giamberardino ressalta que é preciso reorganizar o sistema com “planejamento inteligente e racional” e lembra que o Brasil é um dos países que menos investem na saúde per capita entre as nações que adotam um sistema único como o SUS.

“Assim, é preciso ter boa gestão e combate à corrupção. Além do financiamento público, cada vez menor no orçamento do governo federal, que sobrecarrega os municípios, que precisam investir até 30%, bem acima dos 15% exigidos, é preciso ter uma melhor rede de integração para comunicação entre os municípios com referência e contrarreferência para que os problemas de menor complexidade sejam resolvidos nas pequenas cidades, sem necessidade de colocar os pacientes em ônibus e trazer todos para o município de grande porte”, avalia.

Ele lembra que a longa espera nas filas prejudica a qualidade de vida dos pacientes e a cirurgia tardia também pode trazer complicações na recuperação. O médico destaca a importância dos mutirões de cirurgias, mas faz ressalvas. “Os mutirões atendem os casos de pequeno e médio porte, mas não dá para fazer um mutirão para atendimento de cirurgia de alta complexidade”, pondera.

Giamberardino analisa que é fundamental o investimento na atenção primária, na porta de entrada do SUS, as Unidades Básicas de Saúde. “Tem que investir nos recursos humanos de qualidade e em um plano de carreira, pois o atendimento primário não pode ser apenas um período de transição para o médico recém-formado ou para o profissional que vai se aposentar. Cerca de 80% dos problemas podem ser resolvidos nesta fase para desafogar os atendimentos de maior complexidade”, pontua.

Procurada pela reportagem, a Sesa (Secretaria de Estado da Saúde) respondeu, em nota, que o governo estadual lançou o Programa Opera Paraná, como “estratégia permanente para a redução das filas” e “pretende ampliar os procedimentos cirúrgicos eletivos regulares, de forma descentralizada e regionalizada”.

“O investimento total destinado é de R$ 300 milhões do Tesouro do Estado. Metade desse montante, R$150 milhões em recursos para os procedimentos, já está sendo utilizado para diminuir a fila de espera pelos municípios. Uma segunda etapa do Opera Paraná está prevista para os próximos meses e também receberá o aporte de R$ 150 milhões”, informa.

“As especialidades cirúrgicas contempladas na primeira fase seguem a seguinte ordem de prioridade: sistema osteomuscular; aparelho digestivo; aparelho da visão; aparelho geniturinário; vascular; das vias aéreas superiores e do pescoço. “Estas são as cirurgias com maior demanda, abrangendo a área geral, ortopédica, vascular, otorrino, oftalmo e geniturinário”, acrescenta.

Sobre os recursos do Ministério da Saúde, a Secretaria respondeu que o plano paranaense já foi aprovado e prevê custeio de mais de 31 mil cirurgias. “Os critérios utilizados pelo Paraná para os procedimentos a serem realizados foram pactuados entre os municípios e o Estado (por meio da Comissão Intergestores Bipartite – CIB). Esta pactuação estabeleceu os 56 procedimentos cirúrgicos eletivos a serem executados, sendo priorizados os de laqueadura e vasectomia”, esclarece.

CATARATA

O Hoftalon (Hospital de Olhos de Londrina) possui dois contratos para realização de cirurgias pelo SUS, principalmente catarata, sendo os acordos firmados com o município de Londrina e o governo do Paraná.

De acordo com diretor Nobuaqui Hasegawa, os contratos preveem 830 procedimentos de catarata por mês, sendo que um aditivo foi firmado, recentemente, com o município para ampliação, pois o número de 205 cirurgias era insuficiente para atendimento da demanda.

“A fila é de aproximadamente 1.700 pacientes, sendo que alguns levam até dois anos para passar por consultas. Por isso, também realizamos mutirões. O último foi realizado em Apucarana, onde 630 pessoas passaram por exames, diagnóstico e agendamento da cirurgia, sendo 60% de catarata, a maioria bilateral (procedimento nos dois olhos)”, informa.

Hasegawa lembrou que o Hoftalon chegou a realizar 15.533 cirurgias em 2019, mas com o início da pandemia o número caiu para 7.827 cirurgias em 2020. No ano seguinte, o número subiu para 9.938 e no ano passado fechou em 11.544 procedimentos.

Além da 17ª Regional de Saúde de Londrina, o Hoftalon atende pacientes com doenças e condições oftalmológicas de pelo menos outras quatro Regionais de Saúde. A triagem e os exames pré-operatórios são realizados no ambulatório do Hoftalon, na Rua Alagoas. Na manhã desta quinta-feira (13), dezenas de pessoas aguardavam para ser atendidas.

Uma dessas pessoas era a dona de casa Marilda Aparecida de Mendonça, 48, que conta que há pouco mais de um ano começou a ficar com a visão embaçada e com dificuldade para enxergar coisas que estavam mais longe. Após procurar o posto de saúde, foi encaminhada para o Hoftalon, que a diagnosticou com catarata. Ela fez a cirurgia do olho direito em abril, após ficar na fila de espera da cirurgia por quatro meses. “Surgiu uma vaga de desistência e eles me avisaram, mas eu acho que se não fosse isso eu ainda não teria feito”, afirma.

“Esse [olho direito] está ótimo, mas o que está atrapalhando agora é o esquerdo”, conta, ressaltando que a doença afetou ambos os olhos.

Diferentemente do direito, o olho esquerdo de Mendonça tem dificuldade para enxergar objetos que estão mais perto, o que atrapalha quando ela vai usar o celular, ler ou separar o feijão. No momento, ela está passando por exames, mas ainda não há previsão para que ela passe por esse novo procedimento.

“Para quem nasce sem a visão é ruim, mas pelo menos nunca viu a luz do sol. Agora imagina para a gente, que nasceu enxergando, perder”, destaca.

A artesã Amanda Figueiredo, 59, foi ao médico para uma consulta de rotina com o oftalmologista, já que parecia que os objetos e pessoas estavam embaçados, como uma névoa que nunca vai embora. Na consulta, o médico disse que ela estava com catarata no olho direito, mas pediu que ela aguardasse alguns meses para fazer o procedimento. Passados oito meses, Figueiredo foi ao Hoftalon e conseguiu marcar a cirurgia. “Agora enxergo que é uma beleza. Eu achava que ia demorar um ano, um ano e meio, porque é o que todo mundo fala, mas foi muito rápido”, afirma.

A catarata atingiu também o olho esquerdo da artesã, que agora aguarda para fazer o segundo procedimento. Ela fez a primeira cirurgia há cerca de 30 dias e já está fazendo os exames pré-operatórios para a segunda, que deve ser feita daqui a dois meses. Enquanto esperava ser chamada, aproveitou para fazer tricô. “Eu sou muito grata ao SUS”, confessa.

A aposentada Maria do Carmo, 71, conta que há cerca de 20 dias estava tomando banho quando sentiu algo diferente na vista. Após procurar o posto de saúde em Paranavaí (Noroeste), cidade onde vive, foi diagnosticada com descolamento de retina. O médico fez o encaminhamento para o Hoftalon e ela afirma que a expectativa é passar pela cirurgia na semana que vem, já que perdeu 100% da vista do olho esquerdo. “O médico disse que eu tenho que fazer antes de completar um mês [do dia que teve o primeiro sintoma] porque senão posso ficar cega. A gente que é dona de casa, cuida dos netos, precisa enxergar bem. Com um olho só não dá não.”