Brasília - Suspeita de exportação de madeira ilegal a EUA, Bélgica e Dinamarca, uma madeireira fez ligações a autoridades dos países europeus usando telefones do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

A informação está registrada em relatório da Polícia Federal que embasou a Operação Akuanduba.

A Tradelink Madeiras exportou 153.597 m3 de ipê e jatobá da Amazônia sem autorização de exportação do Ibama, conforme os documentos da investigação. Os contêineres se destinaram a EUA, Bélgica e Dinamarca.

Em território americano, a autoridade equivalente ao Ibama (FWS, na sigla em inglês) constatou a suposta irregularidade, registrou as informações em um documento e comunicou a PF.

Os apontamentos, encaminhados por meio da Embaixada dos EUA no Brasil, foram o ponto de partida para a investigação que resultou na Operação Akuanduba, deflagrada no dia 19 de maio.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Ibama, Eduardo Bim, são investigados e foram alvo de buscas, apreensões e quebras de sigilo bancário e telefônico.

O relatório da PF registra o modo como a Tradelink atuou para regularizar cargas de ipê e jatobá supostamente ilegais, com base nos relatos da FWS.

Segundo o documento, há informações de autoridades ambientais ou aduaneiras de Bélgica e Dinamarca de que receberam chamadas da Tradelink "realizadas por intermédio de terminais telefônicos da superintendência do Ibama no Pará".

As ligações teriam ocorrido durante ações dessas autoridades em relação a cargas de madeira ilegal oriundas do Brasil. O registro foi feito por autoridades americanas, a partir de trocas de informações com funcionários dos países europeus.

O conteúdo foi informado à PF, assim como suspeitas de irregularidades e corrupção envolvendo madeireiras e servidores da área ambiental no governo Jair Bolsonaro.

O relatório da PF cita outra evidência de uma atuação da madeireira dentro do Ibama no Pará. O apontamento foi feito no documento produzido pelo adido da FWS na Embaixada dos EUA no Brasil, Bryan Landry.

Em uma "entrevista consensual" concedida a integrante da FWS, segundo o ofício, um representante da Tradelink internacional afirmou que, desde as apreensões de cargas ilegais no exterior, a madeireira "havia colocado alguém no escritório do Ibama em Belém para sentar lá todos os dias e garantir que as remessas fossem liberadas".

Essa evidência foi citada na decisão de Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) que autorizou a Operação Akuanduba.

A FWS afirmou no mesmo ofício que abriu uma investigação sobre a Tradelink EUA, suas práticas de compras, histórico de importação do Brasil e "possível envolvimento em práticas corruptas, fraudes e outros crimes".

"Todos os embarques da empresa foram realizados de acordo com as normas ambientais e tributárias, legalmente exigíveis no momento do embarque", disse a Tradelink, em nota. "São o órgão ambiental e a Receita Federal que expedem a documentação necessária para a exportação de produtos de origem florestal."

A empresa disse colaborar com as autoridades brasileiras e americanas e que todos os questionamentos feitos no escopo da investigação serão respondidos. "A Tradelink e demais empresas limitam-se a cumprir a lei e apresentar os documentos exigidos", afirmou.

Em nota, o Ibama disse que o inquérito é uma farsa montada pelo delegado responsável. "Claramente dirigiu depoimentos de alguns servidores engajados politicamente e com base nisso forjou uma falsa narrativa para induzir o ministro Alexandre de Moraes a erro."

Segundo as investigações da PF, a Tradelink passou a pressionar o Ibama para que houvesse a regularização de cargas apreendidas em EUA, Bélgica e Dinamarca.

O então superintendente do órgão no Pará, Walter Magalhães Júnior, teria atendido à pressão de madeireiras e emitiu cinco certidões que atestariam a regularidade das exportações. As certidões eram irregulares, conforme a PF.

O relatório que embasou a operação afirma que, no caso de Magalhães Júnior, um tenente-coronel da reserva da PM de São Paulo, já estão configurados os crimes de facilitação de contrabando, advocacia administrativa, concessão de autorização em desacordo com as normas ambientais e obstáculo à fiscalização ambiental pelo poder público. São investigados ainda os crimes de corrupção passiva e organização criminosa.

Questionado sobre a conduta de Magalhães Júnior, o Ibama não respondeu.

Em fevereiro de 2020, o presidente do Ibama assinou um despacho interpretativo que dispensou a necessidade de autorizações de exportação de madeira. E enviou ofício a autoridades estrangeiras para regularizar cargas ilegais apreendidas.

O despacho foi suspenso pela decisão do STF, e Bim foi afastado do cargo por 90 dias. Também já estão configurados no caso do presidente do Ibama, segundo a PF, os crimes de facilitação ao contrabando, advocacia administrativa e dificuldades à ação de fiscalização ambiental.

Em nota enviada anteriormente sobre as suspeitas levantadas pela PF, incluindo as que pesam contra o presidente afastado, o Ibama afirmou que "os fatos serão plenamente esclarecidos nos autos do inquérito".

O advogado do ministro Ricardo Salles, Fernando Fernandes, disse que "todas as questões relativas à investigação serão prestadas nos autos do inquérito".

Para a PF, no caso da madeireira, já está configurado o crime de descaminho e deve haver um aprofundamento das investigações sobre suspeita de corrupção ativa, organização criminosa e obstáculo a fiscalização ambiental.

"A documentação encaminhada [pela autoridade americana] trazia fortes indícios de uma série bastante complexa de condutas empreendidas por agentes públicos e particulares no Brasil, com o claro intuito de atribuir legalidade às madeiras de origem brasileira retidas", afirmou a PF no relatório.

Há suspeita de inserção de informação falsa em sistema oficial de controle, em relação a cargas da Tradelink. Quando a madeira já estava nos EUA, o status no sistema era de que os carregamentos ainda estavam em porto brasileiro, conforme a PF.

"A Tradelink é uma infratora contumaz, possui autuações que totalizam cerca de R$ 8 milhões", cita o relatório.

Relatórios de inteligência financeira do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) apontam cinco comunicações de operações suspeitas da Tradelink, segundo a PF, com créditos que somam R$ 114,5 milhões desde 2019.

São apontadas fragmentação de saques em espécie e movimentação de valores incompatível com o faturamento mensal, além de suspeitas em transferências internacionais.