No papel, nos cosméticos, nos alimentos, nas roupas e numa infinidade de outros produtos do dia a dia, o homem tem uma relação estreita com a madeira há muito tempo. Nas moradias não é diferente, a madeira foi muito utilizada na construção de casas em décadas passadas, mas foi perdendo espaço para a alvenaria.

As construções baseadas em cimento e tijolos compõem um setor poluente, principalmente no que diz respeito à emissão de gases para a atmosfera e geração de resíduos sólidos. Nesse cenário, o Paraná tem potencial para encabeçar o retorno da madeira para as casas, já que é responsável por um quarto de toda a madeira produzida no Brasil.

Professor do curso de arquitetura e urbanismo da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Jorge Daniel de Melo Moura estuda sobre a utilização da madeira na construção civil há mais de três décadas. O projeto “Desenvolvimento de novos materiais, produtos e elementos construtivos para a construção em madeira” é responsável por pesquisar as diversas formas em que a madeira pode ser empregada na construção, que vão desde a sustentação e estrutura até o revestimento e ornamentação.

RENOVÁVEL

Moura afirma que um dos principais benefícios da utilização da madeira na construção é o fato de ela ser renovável, ou seja, após retirar uma árvore para utilizar o material como base construtiva, o ciclo pode recomeçar. Além disso, a madeira é o único material construtivo que faz o sequestro de dióxido de carbono (CO2), reduzindo a emissão de gases na atmosfera. “Do ponto de vista ambiental, é excelente”, afirma.

De acordo com os dados de 2022 da Apre (Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal), o Paraná possui 1,17 milhão de hectares plantados com árvores para fins comerciais. Do gênero pinus, são mais de 713 mil hectares, que representam 60,6% do total. Outros 38,2% correspondem a área plantada com eucalipto, totalizando quase 450 mil hectares.

POTENCIAL PARANAENSE

Para Moura, o potencial do Paraná no que diz respeito à produção de madeira de floresta plantada é "muito grande", principalmente pelo fato de o estado ser responsável por cerca de 25% de toda a madeira produzida no Brasil. Além disso, conta com 48 cidades presentes na lista das 100 maiores produtoras de pinus em todo o país, com destaque para Telêmaco Borba e General Carneiro, que ocupam 1ª e a 2ª colocações, respectivamente, segundo informações de 2022 do Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social).

Coordenador do Conselho Setorial da Indústria da Madeira da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), Roni Marini destaca a posição que o Paraná tem na silvicultura, com potencial para o plantio de florestas para diversos usos. Em razão disso, ele aponta que a indústria madeireira deve galgar ainda mais espaço nos próximos anos.

“Justamente por ter as maiores áreas de floresta plantada para madeira, o Paraná tem uma gama muito forte de indústrias de transformação no setor, nas mais variadas atividades e produtos, que vão dos painéis de madeira, molduras, madeira serrada, móveis até a madeira estrutural”, reforça.

Ele explica que um dos setores que mais impulsionam a economia brasileira é a construção civil, aliado a isso, a necessidade de encontrar materiais oriundos de fontes renováveis e que tragam benefícios sociais, ambientais e econômicos fazem com que a madeira desponte como principal alternativa para a construção de novos empreendimentos.

“O Paraná tem potencial de ser o grande protagonista desta revolução na construção civil no Brasil. Trabalhando em toda a cadeia, desde as florestas até a construção final”, afirma.

RELAÇÃO ESTREITA

O Paraná possui uma relação muito próxima com a madeira há muitas décadas, aponta o diretor executivo da Apre (Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal), Ailson Loper. O clima favorável para o plantio e produção do pinus e do eucalipto, além do rápido crescimento, faz com que as espécies estejam presentes em 98,8% de todas as áreas destinadas à silvicultura no Paraná.

Com uma cadeia produtiva voltada para o pinus, sendo responsável por cerca de 55% de toda a madeira do gênero produzida no Brasil, Loper reforça que o material pode ser utilizado para diversos fins, que vão desde a secagem de grãos até a construção de casas, além de passar por todos os produtos não madeireiros que são fabricados a partir da resina, como cola, cera para depilação, tinta, entre outros.

Loper destaca o potencial renovável e de sequestro de carbono, o que colabora para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. “É um produto da bioeconomia e que pode substituir outras matérias-primas que não são tão benéficas para o meio ambiente”, aponta. “Ao construir com madeira, além de ser ambientalmente correto, ele traz alguns benefícios, como isolamento acústico e isolamento térmico”, explica, complementando que, por esses fatores, a madeira já é muito utilizada em países com clima mais frio.

Cenário favorável e potencial de crescimento

Quando se fala na utilização de madeira na construção civil, é necessário investir em tecnologias para tornar o material adequado para uso no segmento. No sistema light wood frame, em vez de tijolos, a construção tem como base a utilização de painéis estruturados em madeira em sete camadas, sendo que cada uma desempenha uma função, como isolamento acústico, conforto térmico e resistência ao fogo.

A TecVerde é pioneira no sistema light wood frame: praticidade
A TecVerde é pioneira no sistema light wood frame: praticidade | Foto: Divulgação

No mercado da construção em madeira desde 2009, a TecVerde, com sede em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, é pioneira no sistema light wood frame. Diretora de Engenharia e Sustentabilidade, Carla Monich explica que, no que diz respeito à produção, a tecnologia permite que os componentes da edificação saiam de fábrica praticamente prontos, já com instalações elétricas e hidráulicas, para apenas serem montados e finalizados em canteiro. A madeira utilizada no processo é o pinus, que passa por várias etapas de tratamento antes de ir para a construção.

Dentre os principais benefícios, Monich aponta que o sistema deixa as edificações 80% mais leves, com redução de até 88% nas emissões de carbono na comparação com as construções em alvenaria. “A redução na geração de resíduos também pode chegar a 85% em comparação com os sistemas tradicionais”, aponta, detalhando que o consumo de água também é menor e existe uma maior previsibilidade no orçamento e na execução da obra. "Isso minimiza o impacto de intempéries e os riscos de acidentes”, ressalta.

Monich aponta que uma das principais vantagens é em relação ao tempo de execução da obra, que chega a ser quatro vezes menor que o de modelos mais tradicionais.

O cenário, segundo ela, é favorável e o potencial de expansão do setor, forte. Em 2023, a empresa faturou R$ 163,8 milhões, o que mostra um crescimento de 381% com relação a 2022. “Enxergamos nesse produto, combinado com a aplicação de tecnologia construtiva industrializada, uma estratégia para a descarbonização da construção civil nacional e para a criação de um ambiente construído mais sustentável”, aponta.

"O mundo inteiro está partindo para isso"

O que começou como um sonho de família, hoje abrange mais de 9,5 mil hectares de floresta plantada em Itaiacoca, distrito pertencente ao município de Ponta Grossa, nos campos gerais. A Águia Florestal nasceu em 1993 e está na terceira geração da família, sendo responsável pela produção das mudas de pinus, plantio, colheita, industrialização, beneficiamento e exportação para cinco empresas de fora do país.

Álvaro Scheffer, da Águia Florestal,  afirma que o mercado da construção civil em madeira tende a crescer cada vez mais
Álvaro Scheffer, da Águia Florestal, afirma que o mercado da construção civil em madeira tende a crescer cada vez mais | Foto: Laertes Soares/Divulgação

Proprietário e presidente, Álvaro Scheffer explica que o ciclo de plantio e colheita leva 26 anos. Com algo em torno de 1,6 mil árvores plantadas por hectare, com os desbastes entre o 16° e o 18° ano, restam 450 pinus por hectare para o corte final. Hoje, a capacidade de serragem de madeira da empresa é de 5,4 mil m³ por mês, mas a expectativa é de aumentar para mais de 7 mil m³ mensais a partir de 2025. Em fase de migração, 60% da madeira deve permanecer para a exportação, mas o restante vai ser destinado à indústria nacional da construção civil. “É um mercado novo e que nós estamos apostando bastante”, afirma.

Ao resgatar a história de muitos paranaenses que já moraram em casas de madeira, mais ao sul, feitas de araucária e, ao norte, de peroba, Scheffer afirma que o mercado da construção civil em madeira tende a crescer cada vez mais, destacando a importância de uma madeira de qualidade e de tecnologia envolvida do começo ao fim do processo.

A aposta da empresa é grande e, por isso, a previsão de investimento no formato CLT (Madeira Laminada Cruzada) é de R$ 12 milhões para este ano e de outros R$ 15 milhões para 2025 em infraestrutura, maquinário e tecnologia. A empresa gera 446 postos de trabalho. Para os próximos 12 meses, a previsão é de começar a atuar também no sistema MLC (Madeira Laminada Colada). “Nós acreditamos muito no uso da madeira engenheirada na construção civil. O mundo inteiro está partindo para isso”, diz.

“Precisamos de políticas públicas que facilitem e não travem o plantio de florestas”, afirma, complementando que esse é um planejamento de longo prazo, já que, na melhor das hipóteses, a madeira plantada hoje vai estar em boas condições de uso daqui a 20 anos. “Pelos próximos anos, existe essa madeira disponível no mercado, mas se o mercado crescer como eu acredito que vai, nós precisamos garantir esse suprimento”, alerta.