A notícia da morte do ambientalista João Batista Moreira Souza, o João das Águas, na noite de sexta-feira (25), gerou comoção na cidade. Dentro e fora das redes sociais, centenas de pessoas manifestaram o seu pesar pela partida do baiano que amava Londrina e conhecia os seus recursos hídricos como ninguém. Polêmico, incansável, muitas vezes inflexível em seus posicionamentos, insistente na questão da preservação das riquezas naturais do município e apaixonado pelo rio Tibagi, João deixou sua marca e foi uma referência na luta ambiental entre os londrinenses.

Presidente do Copati (Consórcio Intermunicipal para a Proteção Ambiental do Rio Tibagi), o engenheiro Luís Figueira de Mello falou com muita tristeza sobre a morte do amigo, a quem carinhosamente chamava de Juanito. Figueira conheceu o ambientalista quando assumiu a presidência do Ippul (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina), em 2005, durante as discussões do Plano Diretor Participativo, e logo os dois se tornaram amigos.

Foi durante essas discussões que João apresentava a Figueira suas teses de defesa ambiental. “Sua defesa empoderava o cidadão no sentido de transformá-lo em coparticipante na gestão ambiental. Ele acreditava que a partir da transformação do indivíduo é que seria possível a transformação do coletivo. Seu grande norte na questão ambiental era a defesa do patrimônio hídrico.”

Figueira lembra da indignação do amigo diante da postura do poder público, que não tratava dos temas ambientais com a seriedade que julgava necessária. “Criava muito mal-estar. Afastava pessoas pela defesa intransigente que ele fazia. Mas era um caro que o tempo todo, 100% da vida, estava pensando no coletivo. Era um exemplo de cidadão.”

Ao lado de João, Figueira percorreu rios, riachos, córregos em Londrina e em toda a região. De carro, moto ou a pé, compartilhou da visão sistêmica muito particular que João tinha sobre o funcionamento do meio ambiente, sempre colocando os indivíduos como protagonistas. “Ele dizia que quando a qualidade da água não estava boa era porque a sociedade não estava cuidando efetivamente desse patrimônio”, ressaltou o engenheiro. “Também era uma figura humana incrível, uma figuraça que vai irrigar esse céu com muitas alegrias.”

“Ele sozinho era uma ONG inteira”, definiu o membro da ONG MAE Marcelo Frazão. “Foi o fundador de toda a interpretação sobre o meio ambiente que existe em Londrina. Jogou luz sobre os fundos de vale, mostrou que Londrina é uma cidade riquíssima em rios e água. Um amante do Tibagi, um cara que vivia as águas”, comentou, muito emocionado. “O João ensinou Londrina a se olhar quando ele fez questão de levar cada pessoa que ele pode em cada passeio, em cada remada no Igapó, em cada fundo de vale. Era incansável, um baita professor. Apesar de ser um cara polêmico, de cutucar muita gente, o legado dele é eterno”, arrematou Frazão.

DO SERTÃO PARA AS ÁGUAS

João das Águas nasceu em Mundo Novo, no sertão baiano, em 2 de novembro de 1965. Mudou-se para Londrina na década de 1970 e tempos depois começou a navegar com seu caiaque pelas águas do Lago Igapó. Em agosto de 1990 fundou a ONG Patrulha das Águas junto com o irmão, Gelson Moreira Souza, uma associação ambiental que também funcionava como escola de remo e canoagem. Foi por meio desse trabalho, observando a poluição das águas, que João deu os primeiros passos na defesa do meio ambiente e ganhou notoriedade no município como porta-voz das questões ambientais. Os irmãos também foram fundadores da Federação Paranaense de Canoagem.

Criou o projeto Aquametropole no qual desenvolvia um trabalho de proteção de uma microbacia hidrográfica urbana e, mais tarde, já como presidente do Consemma (Conselho Municipal do Meio Ambiente), estendeu a ação, dando origem ao Programa Ecometrópole - Bacia do Córrego Água Fresca. Foi assessor do Núcleo de Recursos Hídricos da Sema (Secretaria Municipal do Ambiente), em 2005, na gestão do prefeito Nedson Micheletti.

Conforme lembrou Figueira, João era autodidata no tema. Sua formação ia até o ensino médio, mas seu conhecimento aprofundado sobre a questão ambiental o levou a dar palestras a estudantes do ensino básico ao superior. Na UEL (Universidade Estadual de Londrina), por mais de uma vez, falou aos acadêmicos sobre os recursos hídricos e viajava pela região dando palestras e conferências. “Ele era um grande professor, muito didático. Não se conformava que em nossa região, tão linda, com um patrimônio hídrico fantástico, as pessoas fossem tão descuidadas com o meio ambiente e não davam o devido valor e o governo simplesmente ignorando, apesar do discurso contrário.”

“Ele tinha uma capacidade muito grande de entendimento da cidade. Era um estudioso, estudava muito e vivenciava muito o discurso na prática. Tinha muita habilidade com mapas, imagens de satélite, conseguia interpretar e tirar suas conclusões. Inventava modelos, sugeria coisas novas, era um revolucionário. Sou um privilegiado de ter convivido muito com ele”, disse o irmão, Gelson, que atua como instrutor de canoagem e remo no Iate Clube de Londrina e é técnico da equipe de paracanoagem de Londrina.

João faleceu na noite de sexta-feira, aos 56 anos de idade, após perder a batalha contra o câncer. O velório acontece no Cemitério Parque das Allamandas, onde será cremado, às 17 horas deste sábado (26). Deixa a esposa, duas filhas e uma neta. O prefeito, Marcelo Belinati, decretou luto oficial de três dias pela morte do ambientalista.

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