O vídeo de um comerciante de Londrina jogando água em um morador de rua idoso deitado em frente ao seu estabelecimento viralizou nas redes sociais na noite de quinta-feira (1º). Compartilhada pelo padre Júlio Lancellotti, a cena gerou comentários indignados de milhares de internautas pelo país afora. Além de protestos virtuais, um pequeno grupo de pessoas ocupou a calçada em frente ao local como forma de repúdio à atitude apontada por eles como desumana.

Imagem ilustrativa da imagem Londrina: vídeo de comerciante jogando água para expulsar morador de rua gera protestos
| Foto: Isaac Fontana/Framephoto/Folhapress

“Não se pode agredir um idoso assim impunemente. Atentar contra um morador de rua é fácil. Vamos ficar aqui sentados pra ver se o dono deste estabelecimento tem coragem de jogar em nós para nos expulsar também. Essa atitude foi desumana”, afirmou uma manifestante que não quis se identificar.

O proprietário do Ghada Esfirraria e Culinária Árabe, onde a cena foi registrada na noite de segunda-feira (26), se defende das acusações dizendo que as pessoas só estão vendo um lado da história. “Há cerca de 40 dias a gente chega aqui pra trabalhar e encontra a calçada fedida, cheia de xixi e coco que esse morador faz durante a noite. A gente precisa limpar o local para receber os clientes e ele sempre se nega a sair. Já ligamos para a Polícia Militar, pra Guarda Municipal e para a Assistência Social, mas ninguém consegue resolver o problema”, destacou Salam Obeid.

Imagem ilustrativa da imagem Londrina: vídeo de comerciante jogando água para expulsar morador de rua gera protestos
| Foto: Isaac Fontana/Framephoto/Folhapress

O argumento usado por ele é compartilhado por comerciantes vizinhos. “As pessoas que ficaram indignadas com a cena que viram no vídeo não sabem do que a gente passa aqui no dia a dia. A gente sempre alimenta ele, mas não tem como conviver com essa sujeira diária que acaba afastando nossos clientes”, queixou-se Vander Fávaro.

“No sábado em que o comércio ficou aberto até às 18 horas, eu tive que fechar as portas e ir embora porque mesmo lavando os dejetos que o morador de rua deixou na calçada, o mau cheiro não passava e como vendo alimentos não tinha como receber nenhum cliente com aquele fedor”, contou Kleverton Baclan. “Já liguei na polícia, eles disseram que não podem fazer nada se o morador de rua não estiver cometendo crime. A Guarda Municipal disse que só pode atuar se houver danos físicos ao estabelecimento. O pessoal que acolhe moradores de rua já veio aqui várias vezes, mas esse senhor se recusa a ir para um abrigo”, relatou Paulo Pais.

Assista ao vídeo:

A Secretaria de Assistência Social de Londrina informou que o morador em situação de rua já foi abordado diversas vezes pelas equipes, mas resistiu ao encaminhamento. A última abordagem foi realizada nesta quinta-feira (1º) quando o homem chegou a ser levado para uma das instituições de acolhimento disponíveis no município, mas deixou o local em seguida.

“O papel da abordagem social é fazer esse primeiro contato com o morador de rua, encaminhá-lo e também fazer um trabalho com aqueles que ainda se recusam a sair da rua. A Secretaria de Assistência Social não tem poder de polícia. Nós não podemos tirar ninguém a força, nem a Guarda Municipal e nem a Polícia Militar. Ninguém pode tirar a força nenhum cidadão que não esteja cometendo ato infracional”, explicou a secretária Jacqueline Micali.

Equipes do Serviço de Abordagem Social permanecem nas ruas diariamente para atender solicitações feitas pela comunidade ou pela própria pessoa em situação de rua. Outros serviços de referência também são ofertados gratuitamente pelo município. Porém, a situação é complexa.

“Quando a pessoa se recusa a sair da rua, o nosso trabalho pela assistência é ir lá e conversar dez vezes, 12 vezes, 20 vezes… Fazer uma abordagem humana e até integrada com equipes da saúde. A maioria dos que não aceitam o encaminhamento ou tem alguma questão envolvendo saúde mental ou drogadição ou até as duas juntas. Você não pode colocar uma pessoa em surto dentro de um local para acolhimento e nem uma pessoa com alto grau de dependência com substância psicoativa”, acrescentou.

Conforme Micali, a Assistência Social pretende intensificar projetos em parceria com as secretarias da Saúde, Educação e Trabalho. No mês de setembro, mais de 948 solicitações foram atendidas pelas equipes do município. (Colaborou Viviani Costa)

A DPE-PR (Defensoria Pública do Estado do Paraná) emitiu nota sobre o caso nesta sexta-feira. Veja a íntegra:

Repercutiu hoje (02 de outubro), em redes sociais e em noticiários regionais, um vídeo em que uma pessoa referida como proprietária de um restaurante de Londrina joga água em um cidadão idoso em situação de rua que estava na calçada, próximo à porta do estabelecimento.

O Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Paraná informa que está buscando maiores elementos para acompanhar o caso e a equipe da sede local da Defensoria Pública está tentando contato com o senhor em situação de rua para prestar atendimento necessário. A atuação conta também com a participação da Defensoria Pública da União e da Ouvidoria Externa da Defensoria.

Por outro lado, importante aproveitar o momento para mais uma vez chamar atenção para as enormes dificuldades e os graves problemas enfrentados pelas pessoas nessas condições. Inexistência de moradia convencional regular, pobreza extrema, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados são algumas das características que marcam a precária situação vivenciada pelas dezenas de milhares de pessoas em situação de rua no Brasil. Apesar de alguns avanços normativos, o país ainda ostenta níveis muito elevados de desigualdade social e de graves violações de direitos humanos. Por conseguinte, a dignidade das pessoas mais vulneráveis acaba sofrendo abalos significativos.

Por isso, é urgente cada vez mais discutir, planejar e executar, prioritariamente, projetos de acesso imediato à habitação para as pessoas em situação de rua, de modo a se garantir um local seguro para estruturação e efetivação das demais políticas como acesso à educação, cultura, promoção da saúde, assistência, respeitando sempre sua autonomia para que ela se desenvolva plenamente, em paralelo à redução de suas vulnerabilidades.

Também é preciso uma maior educação e conscientização da sociedade sobre o mundo de dificuldades experimentado pelas pessoas em situação de rua para que o tratamento dispensado e a abordagem comunitária ganhem feições mais humanas.

(Matéria atualizada às 17h50)