Após 20 anos, a lei federal que torna obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira ainda está longe de ser uma realidade nas escolas municipais do País. Segundo a pesquisa divulgada, em abril, pelos institutos Alana e Geledés, apenas 21% das secretarias municipais responderam os questionamentos sobre a implementação da Lei 10.639/03. Ou seja, 79% dos gestores não compartilharam informações sobre as políticas adotadas em mais de 4.300 cidades brasileiras para atender as alterações na LDB (Lei de Diretrizes Básicas) com objetivo de inserir na grade curricular o ensino da cultura e história afro e indígena nas escolas.

Imagem ilustrativa da imagem Londrina integra grupo de 345 cidades que atendem lei de ensino da história e cultura afro
| Foto: iStock

Entre as 1.189 cidades que aderiram ao levantamento de maneira voluntária, 29% dos municípios apresentam políticas públicas mais estruturadas, entre elas, Londrina.

A consultora em educação do Geledés - Instituto da Mulher Negra, Tânia Portella, doutora em educação pela USP (Universidade de São Paulo), apontou que a primeira dificuldade encontrada no levantamento foi a falta de informações e registros atualizados sobre os avanços na implementação da política pública desde 2003. Antes, segunda Portella, existia um “eurocentrismo” curricular sem abordar as contribuições do povo negro e indígena na construção do Brasil.

“O resultado mostra um grupo significativo com interesse e conhecimento sobre o assunto que respondeu a pesquisa voluntária. Por outro lado, o estudo aponta que 71% dos municípios possuem ações perenes ou esporádicas”, comentou a consultora, que lembrou que, na maioria dos casos, as atividades se concentram no mês de novembro por causa do Dia da Consciência Negra.

De acordo com Portella, 18% das secretarias municipais não realizam nenhuma ação antirracista. “A lei que alterou as diretrizes escolares fala em ‘transversalidade’ e prevê abordagens com diferentes contribuições nas disciplinas. Isso é importante para a identidade da criança negra, mas também para o aluno que não é negro, que passa a entender que ele não é o centro, que existe outro, diferente, mas com equidade no mundo”, ressaltou.

Ela alerta que a troca de prefeitos não pode impactar as políticas públicas obrigatórias por lei, com necessidade de previsão orçamentária dos municípios, para garantir a estrutura e o fornecimento de materiais didáticos, ambiente escolar com diversidade e formação continuada dos professores, independentemente das posições pessoais ou político-partidárias. “A educação é uma arena privilegiada para a discussão, mas é preciso de orçamento, formação, estrutura e acompanhamento para não reforçar o que estamos combatendo.”

REEDUCAÇÃO

A cidade de Londrina vai integrar a segunda fase da pesquisa que tem o objetivo de destacar as ações de cerca de 345 municípios do País que apresentaram políticas públicas mais estruturadas na educação antirracista durante o levantamento quantitativo realizado pelos institutos Alana e Geledés.

Assessora de Promoção da Igualdade Racial e Valorização da Diversidade da Secretaria Municipal de Educação, Juliana Bueno Grizos de Carvalho informou que as 179 unidades de ensino possuem Comissões da Diversidade, composto por três membros, entre eles, o coordenador da escola ou creche, com a meta de discutir questões étnicas raciais e indígenas.

Recentemente, a Secretaria lançou a campanha de Letramento Racial que prevê a capacitação dos servidores administrativos e professores para desconstrução do racismo estrutural.

“É necessário desconstruir a forma de pensar, os arquétipos de superioridade e racista. Desconstruir o que é ser negro, branco, neste processo de reeducação contra o racismo”, disse Carvalho, que informou que fotos e banners informativos serão expostos de maneira itinerante para que o Letramento Racial também possa reeducar os pais dos alunos e outros integrantes da comunidade escolar.

“O adulto precisa passar por esse processo de desconstrução. Já a criança, quando recebe o Letramento Racial, é educada com outros moldes para se socializar de uma forma igualitária e antirracista. Quando a criança brinca com uma boneca negra no CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil), ela conhece a diversidade e que existem outras formas de estar no mundo”, ressaltou. “Além do cumprimento da lei, essas bases são importantes para autoestima do aluno negro e para a socialização e formação de todas crianças”, acrescentou.

A assessora adiantou que a Secretaria Municipal trabalha em um estudo licitatório para fornecimento de materiais de uso do aluno que podem ser utilizados em atividades étnicas-raciais, como lápis e tintas com diferentes cores de pele, bonecas, tecidos étnicos e outros objetos da cultura afro e indígena. Cartilhas didáticas com propostas de uso desses materiais também serão distribuídas para os professores. Um dicionário antirracista e anticapacitista com termos que devem ser evitados e substituídos está sendo elaborado, segundo Carvallho, com previsão de distribuição nas unidades no segundo semestre deste ano.

JOGOS ESCOLARES

No final de abril, estudantes do Colégio Estadual Flauzina Dias foram vítimas de insultos racistas de torcedores das equipes de escolas particulares durante os Jogos em Paranavaí, no Noroeste. Da arquibancada, os alunos negros foram chamados de “macaco” e “favelados”.

Secretário Geral da APP Sindicato e presidente da Anpir (Associação Negritude de Promoção da Igualdade Racial), o professor Celso José dos Santos afirma que além do acompanhamento educacional e conscientização dos alunos é preciso coibir esses casos com “atitudes mais enérgicas”. “É uma luta permanente, pois foram 400 anos de escravização que gerou um pensamento escravista na população brasileira. A escola não é um oásis e reproduz o racismo da sociedade”, afirmou.

Ele disse que todas as escolas estaduais, municipais e privadas precisam acompanhar os casos e atender as diretrizes de ensino da história e cultura afro, conforme prevê o Conselho Estadual de Educação. Mas, para que isso ocorra de fato, Santos cobra mais investimentos do governo paranaense.

“Embora no Paraná existam as equipes multidisciplinares, a política estadual não dá condições aos professores, que não têm tempo para acompanhar os casos. As pessoas participam como voluntárias, mas política pública não se faz assim, precisa de tempo e investimento. O professor tem boa vontade, mas não tem tempo para dar aulas e para se decidir à equipe muldisciplicar”, criticou.

Coordenador de Direitos Humanos e Diversidade da Seed (Secretaria Estadual de Educação), Lourival de Araujo Filho respondeu que as equipes multidisciplinares estão presentes em 95% das escolas estaduais do Paraná e são formadas por professores, funcionários, membros da comunidade, pais e estudantes.

Sobre o pagamento de professores, ele rebateu que a participação voluntária entra como “hora-atividade” e que ninguém é “forçado” a integrar os grupos de discussões, que possuem cerca de 30 mil participantes, segundo os dados do Estado do Paraná. “Estamos abrindo cursos de formação na área no segundo semestre para que a pluralidade e a diversidade sejam respeitadas nas escolas”, destacou.

Araújo Filho também garantiu que, por meio do registro de classe online, todas as aulas previstas no calendário são elaboradas pelo Departamento de Desenvolvimento Curricular e que o ensino da história e cultura afro e indígena faz parte da programação das atividades do ano letivo no Paraná.

Questionado sobre o caso de racismo nos Jogos Escolares, o coordenador afirmou que a Seed entrou em contato, imediatamente, com a família do menor de idade para instrução. “Não existe mais o ‘tem que expulsar o aluno’. Ele é um integrante da sociedade e precisa ser acompanhado”, respondeu Araújo Filho, que informou que o Estado pretende contratar cerca de 300 psicólogos para trabalhar nas escolas em casos de bullying, violência, preconceito e racismo.