Entre janeiro e novembro do ano passado, pelo menos 2.301 mulheres foram vítimas de casos de feminicídio no Brasil. Desse total, 1.491 perderam a vida e 810 sobreviveram à violência. Os dados foram levantados pelo Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídios) e fazem parte do boletim divulgado em dezembro. No Paraná, foram 159 casos e em Londrina, 11, segundo o mesmo levantamento.

O Lesfem é um espaço de pesquisa interdisciplinar que reúne pesquisadores, profissionais e estudantes de três universidades públicas do país, uma delas a UEL (Universidade Estadual de Londrina), além do Coletivo Feminino Plural e Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres de Londrina. O objetivo é produzir e analisar dados sobre os crimes de feminicídio cometidos no país como forma de contribuir para o monitoramento e a visibilização do fenômeno. A partir dos dados, a expectativa é reduzir os números estatísticos e obter uma resposta mais efetiva da sociedade e do Estado para o enfrentamento do problema.

O número inexato de mulheres vítimas desse tipo de agressão reunido pelo Lesfem se justifica porque a base de dados é formada sobre notícias veiculadas na imprensa escrita nacional, o que aponta para uma subnotificação. O número real de mulheres vítimas desse tipo de violência provavelmente ultrapassou os mais de 2,3 mil casos nos primeiros 11 meses de 2023.

Folhear as páginas do boletim é constatar o alto nível de violência praticado contra a mulher no país. De janeiro a novembro do ano passado, a média diária de casos de feminicídio, tentados ou consumados, foi de 6,89, mas o último mês analisado requer especial atenção. Em novembro, a média ficou em 10,23.

Um recorte feito pelos pesquisadores do Lesfem e que chama a atenção é que do total de agressões computadas no período a que se refere o mais recente boletim, o domingo é o dia da semana em que é registrado o maior número de ocorrências, com 438 casos entre janeiro e novembro, sendo 51 apenas neste último mês.

Este dado vai de encontro a uma antiga cobrança feita por lideranças políticas e representantes da sociedade civil organizada de Londrina e que diz respeito à extensão do horário de funcionamento da Delegacia da Mulher no município. Hoje, o órgão especializado funciona apenas de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18 horas.

Uma das lideranças que encabeçam a cobrança da melhoria na estrutura de atendimento à mulher vítima de violência é a vereadora Lenir de Assis (PT), que na semana passada voltou à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Defesa da Cidadania do Legislativo Municipal. “Essa demanda é antiga (ampliação do horário de funcionamento da Delegacia da Mulher). A gente cobrava a instalação da Delegacia da Mulher, foi instalada faz uns dez anos e, desde então, a gente cobra a delegacia 24 horas”, disse a parlamentar.

A cobrança ganha ainda mais sentido de urgência em razão de um crime registrado no último final de semana, em Londrina. Uma mulher foi vítima de estupro cometido por um motorista de aplicativo na madrugada de sábado (10) e teve que esperar o término do recesso de Carnaval para registrar a ocorrência.

À frente da Comissão de Direitos Humanos e com o apoio de outros órgãos e entidades, como o Conselho Municipal de Defesa das Mulheres, a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara Municipal e a Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), a intenção da vereadora é trazer essa discussão de volta ao debate, agora com o amparo da lei federal 14.541, sancionada em 2023 e que dispõe sobre a criação e o funcionamento ininterrupto das delegacias especializadas no atendimento à mulher.

A demora em atender à reivindicação, avalia Assis, seria resultante da falta de vontade política do governo do Estado, que posterga a inclusão dessa política pública na agenda governamental mesmo diante da escalada da violência contra as mulheres observada nos últimos anos. “A gente tem assistido a um aumento significativo de violência contra as mulheres e do feminicídio, situações chocantes como o caso da Cláudia (Ferraz, cabeleireira morta pelo namorado na semana passada, em Londrina). Temos que intensificar essa cobrança no sentido de fazer com que equipamentos públicos como a Delegacia da Mulher 24 horas venha imediatamente”, disse a vereadora. “Faz quase dez anos que a gente luta para isso. Se em dez anos os governos não se organizaram financeiramente, é por falta de vontade política. Antes, não tinha uma lei federal. Agora tem. Os recursos devem ser realocados como são realocados para muitas outras políticas.”

“Qual o custo da vida de uma mulher, qual o custo da saúde mental das mulheres, o tratamento disso? As consequências são muito mais onerosas para o Estado. E ter uma delegacia de acolhimento é também dizer aos agressores que basta. Também é uma forma de coibir a violência. Não dá mais para esperar”, acrescentou Assis.

Na sessão desta quinta-feira (15), a primeira após a vereadora retornar à presidência da Comissão de Direitos Humanos, os parlamentares deverão votar um pedido de informações ao governo do Estado, o que seria o primeiro passo para a retomada da cobrança da extensão do horário de atendimento da Delegacia da Mulher no município.

Procurada pela reportagem, a Polícia Civil do Paraná informou que apesar de a Delegacia da Mulher em Londrina ter o horário restrito, os atendimentos após às 18 horas são feitos em salas de acolhimento especializado para esse público na Central de Flagrantes, com funcionamento 24 horas. A Polícia Civil ressaltou ainda que há a possibilidade de registro de Boletim de Ocorrência on-line.

Sobre o caso de estupro ocorrido no último final de semana, a Polícia Civil do Estado informou que a vítima recebeu atendimento na Central de Flagrantes e, na sequência, foi encaminhada à Polícia Científica para exames periciais.