São Paulo - Mesmo diante de uma legislação rigorosa, a cada hora cerca de oito motoristas, em média, são flagrados no Brasil por terem ingerido bebida alcoólica ou substâncias psicoativas antes de dirigir.

Um estudo da Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) apontou que desde a implantação da Lei Seca, em 20 de junho de 2008, foram registradas 1.015.570 infrações de trânsito no país, por dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra droga psicoativa.

Comete infração de trânsito quem é flagrado com 0,05 mg/l até 0,33 mg/l (miligrama de álcool por litro de ar alveolar). A partir de 0,34 mg/l é crime de trânsito.

Os dados são do relatório "Lei Seca no Brasil: panorama nos últimos 15 anos", com um retrato do descumprimento do artigo 165 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro).

O documento traça o perfil do motorista infrator de alcoolemia, Estados e capitais com mais ocorrências, e quando esses condutores alcoolizados acabam flagrados. Também aponta problemas na fiscalização e na integração de dados.

A pesquisa, feita pela própria Senatran, cruzou dados do DataSUS e do Renainf (Registro Nacional de Infrações de Trânsito).

Com as informações, a secretaria planeja montar um grupo de trabalho e incentivar a fiscalização com os Detrans (Departamentos de Trânsito) nos Estados.

"A análise está bem aprofundada em relação ao que a gente precisa fazer para melhorar", diz Adrualdo de Lima Catão, secretário nacional de Trânsito.

O documento mostra aumento gradual do número de infrações, desde a implantação da lei, com recuo de 2015 a 2017. O pico dos flagrantes ocorreu em 2019 - ano imediatamente anterior ao início da pandemia de Covid-19 -, quando cerca de 130 mil autuações foram registradas no país. Apesar de os registros terem voltado a crescer, ainda estão abaixo da marca anterior - em 2022 foram 108 mil infrações.

"É um dado preocupante. Precisamos intensificar as operações [de fiscalização], que foram bem antes da pandemia", afirma Catão.

Sexta, sábado e domingo são os dias da semana com maiores flagrantes - quase 60% do total. Segundo o documento, o motivo é o perfil das operações de Lei Seca, mais concentradas nos fins de semana, quando há maior relação entre as pessoas e o consumo de álcool.

"Apesar da maior probabilidade de inconformidade nesses dias, é fato que os estabelecimentos comerciais permanecem abertos nos demais dias e, certamente, há condutores que se aproveitam do relaxamento das ações de fiscalização para fazer uso de bebida alcoólica e assumir a direção de veículo", diz o documento.

Cerca de 70% das infrações por alcoolemia são constatadas entre as 18h e as 6h do dia seguinte, com pico entre 23h e meia-noite.

"Precisamos pensar numa fiscalização mais responsiva e não ficar só nas blitze com modelo ostensivo que esperam o condutor", diz o secretário Catão à reportagem.

De acordo com a pesquisa, 30% das infrações são cometidas por motoristas com idade entre 30 e 40 anos - essa é a principal faixa etária. A média geral é de condutores que tiraram a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) há 16,4 anos.

No total, 80% dos citados eram homens. E 91,3% das pessoas flagradas eram donas dos veículos.

"Certamente, há um componente social e econômico forte nesse quadro, principalmente por se tratar dos proprietários de veículos", diz o relatório.

De acordo com os dados, há 1.840 registros cuja nacionalidade do infrator é estrangeira. Outros 450 são referentes a brasileiros naturalizados e 35 de brasileiros nascidos no exterior.

Nos flagrantes, 78% dos condutores dirigiam automóveis, seguidos por motos e veículos de carga. Na sua análise, em virtude da disparidade dos dados, o documento aponta a necessidade de se discutir a fiscalização de motoristas profissionais, inclusive os que rodam nas estradas e nas áreas rurais.

Das 5.570 cidades brasileiras, 5.027 tiveram ocorrências. "Ou seja, apenas 9,8% dos municípios brasileiros não registram qualquer infração de Lei Seca nos últimos 15 anos", aponta o relatório

Os Estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná lideram, respectivamente, o ranking de unidades da Federação com maior número de registros e representam mais de 40% das infrações à Lei Seca do país.

A Polícia Rodoviária Federal é o órgão com a maior quantidade de autuações.

Para Flávio Emir Adura, diretor-científico da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), que elogia a lei, medidas de fiscalização precisam ser intensificadas, e as campanhas de conscientização dos riscos devem ser constantes.

O relatório aponta a necessidade da integração das bases de dados com uso de ferramentas mais robustas de análise das informações e alerta para a discussão sobre a necessidade de uma base nacional de registros de fiscalização.

"A maior integração da Senatran com os órgãos autuadores, em especial os Detrans, é fundamental", afirma.

O texto ainda diz que os dados podem apontar para baixa assertividade e capacidade em se fiscalizar a Lei Seca, além de citar problemas nos dados dos veículos conduzidos por pessoas que beberam.

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"Informações sobre os veículos efetivamente fiscalizados permitiriam aferir melhor a capacidade de fiscalização e a mudança comportamental."

O relatório sugere a criação de um painel permanente para monitoramento da Lei Seca no Brasil e que a legislação deve ser encarada como uma prioridade de ação por parte dos gestores de trânsito.

Entre outros, lembra o diretor-científico da Abramet, o álcool reduz a atenção, a capacidade de avaliação e faz o condutor a se expor a riscos. "O motorista [sob efeito de bebida alcoólica] dirige sem perceber a velocidade, os obstáculos, a distância segura para realizar uma ultrapassagem e não tem habilidade para controlar o veículo, mesmo em linha reta."