Embasado em uma afronta ao princípio da alteridade - que veda a incriminação de conduta que não ofende nenhum bem jurídico - o juiz da Comarca de Arapongas (Região Metropolitana de Londrina) Amarildo Clementino Soares decidiu rejeitar denúncia contra um homem flagrado portando 0,5 grama de maconha. A decisão reflete uma postura que vem sendo adotada no sentido de evitar o encarceramento por se tratar de uma “conduta inofensiva a bem jurídico de terceiro, criminalizando a pessoa no seu direito existencial e liberdade de gerir a própria vida da forma que melhor lhe aprouver”, segundo anotou o magistrado.

Por enquanto não há data para a votação do projeto de descriminalização do porte de drogas. Restam oito votos no STF.
Por enquanto não há data para a votação do projeto de descriminalização do porte de drogas. Restam oito votos no STF. | Foto: iStock

Segundo apurou a reportagem, no Juizado Especial Criminal de Arapongas em média seis das cerca de 20 audiências preliminares semanais são relacionadas ao porte de pequenas porções de drogas, como no exemplo relatado. “É recorrente”, salientou o magistrado.

Assim como a validade da prisão em segunda instância, o tema no Brasil sempre foi inflamado por discursos ideológicos favoráveis e contrários que ganharam ainda mais corpo com o início do julgamento no STF quando a ação para a descriminalização das drogas para uso pessoal, que é de 2011, foi colocada em pauta. Inicialmente, o relator, o ministro Gilmar Mendes, votou pela descriminalização do porte de todo o tipo de droga. Já Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram pela descriminalização apenas da maconha. Em seguida, o julgamento acabou interrompido por pedido de vista, ou mais tempo para a análise, do então ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo quase dois anos mais tarde. Restam ainda oito votos.

Por outro lado o tema ainda encontra muita resistência entre os parlamentares ligados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em uma das mais recentes manifestações sobre o tema, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que a matéria "não deve ser pertinente à Suprema Corte, mas sim ao Congresso Nacional e que qualquer mudança deve passar pelo Congresso". O posicionamento, exposto em um discurso na Esplanada dos Ministérios, foi acompanhado pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra.

Questionado se ações como esta acabam colaborando para um “inchaço” em todo o sistema de Justiça em detrimento da agilidade no julgamento de outras causas e sem necessariamente serem efetivadas em melhorias para a coletividade, Amarildo Clementino Soares opinou que a esfera adequada para o tratamento destas questões deveria ser a da saúde pública e não a penal. “Mas isso é um posicionamento que os nossos governantes têm a competência, isso se for o caso e o Supremo venha a adotar este posicionamento, então vamos ter que aguardar. Mas com certeza é uma questão muito mais de saúde pública e a própria lei está voltada para isso também tratando, de uma certa forma, como uma coisa de saúde pública. Se você encaminhar isso para uma questão educativa e tentar resgatar o cidadão vai ser muito mais útil”, avaliou.

A reportagem também apurou que ao homem absolvido em Arapongas foi determinada a prestação de serviços comunitários por um mês durante seis horas semanais na Associação Sagrada Família, em Arapongas. No entanto, como a ordem não foi cumprida pelo usuário, a proposta de transação da pena foi excluída e o Ministério Público deve se pronunciar na Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Paraná.

Contrária à descriminalização, a Federação Brasileira de Amor-Exigente, fundada em 1984, lançou uma petição virtual para alcançar 100 mil assinaturas. Até o fechamento desta reportagem, pouco mais de 7.500 haviam assinado.

Por 3 votos a 1, STF manda soltar dois homens por porte de maconha

Nesta terça-feira (19), a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por 3 votos a 1 soltar dois homens que haviam sido presos em ocasiões distintas por porte de maconha. Um deles possuía 40,3 gramas da droga e o outro 93,6 gramas. Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux votaram pela soltura e o relator, Marco Aurélio Mello, pela manutenção das prisões preventivas. O entendimento da maioria foi que a prisão preventiva de ambos, que eram réus primários, seria medida desproporcional diante dos bons antecedentes criminais. Completa a Primeira Turma a ministra Rosa Weber, que não participou do julgamento.

Para o professor de direito penal da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Londrina e coordenador da Comissão de Advogados Criminalistas da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) subseção Londrina, Rafael Soares, os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux, que ainda não deliberaram sobre a questão, podem representar um sinal.

"Me parece uma sinalização do que pode ocorrer no futuro. Por mais que se trate de uma situação de revogação de prisão preventiva, eles falam na votação que isso não é caso para que o Direito Penal se ocupe. É sim um indicativo do que pode vir quando no julgamento do Pleno do Supremo Tribunal Federal", avaliou.

Questionado se a pressão de caráter ideológico dos parlamentares e de setores da sociedade deve ser uma constante sobre os ministros e até influenciar em suas votações, Soares avaliou que sim. "Eu imagino que esse debate não é só nacional, é mundial. Você vê países tendo uma total modificação da sua política criminal e ai nós somos nós aqui que temos que esperar tanto do Poder Legislativo quanto do Poder Judiciário uma sobriedade para poder discutir estes temas", avaliou.