João Paulo II é o papa que mais pediu perdão11/Mar, 18:39 Por Roldão Arruda São Paulo, 11 (AE) - O papa João Paulo II celebrará amanhã, na Basílica de São Pedro, em Roma, o Dia do Perdão. Acompanhado por sete cardeais, entre os quais o brasileiro d. Lucas Moreira Neves, ele pedirá perdão pelos pecados cometidos pelos cristãos no passado e fará uma exortação à "purificação da memória". Para o papa, essa é uma das cerimônias mais significativas e esperadas entre todas as que foram programadas para o Jubileu do Ano 2000. Afinal, desde que subiu ao trono de São Pedro, há 21 anos, ele vem promovendo uma revisão das atividades da Igreja no passado e fazendo pedidos de perdão. Em 2 mil anos de história da Igreja Católica, não se sabe de nenhum outro papa que tenha empregado tantas vezes a expressão "eu peço perdão". O papa polonês já fez mea-culpa pelas guerras religiosas, especialmente as cruzadas, na Idade Média. Falou com clareza dos "erros" da Inquisição, rejeitando os "métodos de intolerância ou até mesmo de violência" que a caracterizaram. Em encontros que manteve com povos indígenas, reconheceu as injustiças históricas cometidas contra eles em nome da evangelização. Também manifestou pesar pelo fato de o mundo cristão ter apoiado o tráfico de escravos. "A esses homens nós não cessamos de pedir perdão", disse o pontífice, referindo-se aos índios e aos negros, em 1992, durante as comemorações dos 500 anos da chegada dos europeus à América. Temas espinhosos - A lista é longa. João Paulo II tem falado com frequência de temas espinhosos para os católicos, tais como divisões entre igrejas, intolerância religiosa, racismo, omissões e conivências com ditaduras. Numa pesquisa concluída em 1997 e publicada no livro Quando o Papa Pede Perdão (Editora Paulinas, R$ 16,60), o vaticanista italiano Luigi Accattoli reuniu 94 textos nos quais o papa polonês reconheceu culpas históricas da Igreja ou pediu perdão. De lá para cá a lista cresceu bastante, em razão das comemorações do Jubileu, época própria para o perdão, segundo a tradição bíblica. Na maior parte das vezes, os mea-culpa são elogiados dentro e fora da Igreja. Mas também há manifestações contrárias a essa revisão, provocadas quase sempre pelo receio de que elas comprometem a continuidade e a identidade histórica da Igreja. Também existe o temor de que os pedidos de perdão acabem servindo mais aos detratores da Igreja do que aos seus seguidores. Fala-se ainda que poderiam ofuscar uma história rica de méritos nos campos da caridade e da cultura. Um dos críticos dessa revisão histórica, o bispo italiano Alessandro Maggiolini, disse que ela "dá a impressão de que, ao converter-se ao catolicismo, as pessoas entram numa quadrilha de velhacos". Outro italiano, o cardeal Biffi, disse que as "auto-acusações" poderiam confundir o "povo fiel, que não sabe fazer muitas distinções teológicas". Documento - Diante de reações tão diversas, a cúpula da Igreja achou necessário divulgar um documento oficial sobre o assunto. Discutido durante dois anos pela Comissão Teológica Internacional, presidida pelo cardeal alemão Joseph Ratzinger, o texto esclarece e reforça as posições do pontífice, segundo o qual a verdade é uma forma de glorificar a Deus e de ajudar os povos a se reconciliarem. O documento, que acaba de ser publicado no Brasil com o título Memória e Reconciliação (Editora Loyola, R$ 4,50), também lembra que em nenhum momento foram colocadas em dúvida a santidade e a infalibidade da Igreja. De fato, em seus pronunciamentos o papa nunca se afasta da doutrina católica de que a instituição transcende qualquer aspecto histórico. Os pecados que admite não foram cometidos pela Igreja, que nunca peca, mas por indivíduos que faziam parte dela. Em 1985, numa visita a Camarões, na áfrica, ele disse: "No curso da história, seres humanos pertencentes a nações cristãs infelizmente nem sempre se comportaram como cristãos e, por isso, nós pedimos perdão aos nossos irmãos africanos que tanto sofreram, por exemplo, com o tráfico de escravos." Revisão - É bem provável que, no futuro, os historiadores apontem a revisão do passado da instituição como um dos principais legados do pontificado do polonês Wojtyla. Afinal, quase sempre houve resistência dos papas a qualquer tipo de autocrítica. Por outro lado, é difícil prever o impacto que isso terá entre os católicos e os que não fazem parte da Igreja. Ao mesmo tempo que alguns grupos consideram João Paulo II exageradamente audacioso, outros afirmam que a autocrítica ainda é timida demais. Entre esses últimos encontram-se as feministas, insatisfeitas com o fato de as mulheres ainda serem relegadas a uma posição secundária nas instituições católicas. O que está muito claro nestas manifestações de João Paulo II é que a Igreja caminha - apesar de sua lentidão, provocada pelo peso da história e de seu gigantismo e pela necessidade de manter-se coesa. Diante disso, pode-se esperar que no futuro sejam revistas posições que hoje parecem intocáveis, como o celibato dos padres e a presença das mulheres nos altares. Afinal, já houve um tempo em que os representantes da instituição consideravam a escravidão um direito natural, e as mulheres, seres inferiores. (Colaborou Assimina Vlahou)