A palestra "Racismo antiamarelo: resgate do contexto histórico e atualidade", ocorrida na noite desta quarta-feira (29) na UEL (Universidade Estadual de Londrina), foi “invadida” por diversas pessoas, que proferiram ataques racistas e constrangeram as palestrantes Bruna Tukamoto e Karina Kikuti. De acordo com elas, a parte on-line do evento foi prejudicada, acarretando no encerramento precoce da reunião virtual.

Tukamoto, que é jornalista e criadora de conteúdo sobre a cultura nipo-brasileira, era a apresentadora da palestra presencial e a responsável por mediar as falas da psicóloga Kikuti, que, por não ser de Londrina, participava via Google Meet, uma plataforma de chamadas em grupo on-line.

"Eu faço um trabalho de conscientização sobre pautas raciais amarelas há bastante tempo. Sempre foi um desejo muito grande participar de eventos na UEL, principalmente por ser uma área acadêmica e ter bastante abertura para essas pautas sobre diversidade", explica a jornalista.

A confusão começou ainda nos primeiros minutos. Kikuti, que estava na mesma sala on-line que os “invasores”, relata que o "teor maldoso" dos comentários foi escalonando com o avanço da palestra. Cerca de 20 pessoas assistiam ao evento presencialmente na UEL e outras 50 de maneira virtual.

"Eles estavam finalizando alguns ajustes no presencial e eu estava na sala on-line aguardando. Uma das pessoas abriu o microfone e perguntou se alguém sabia se a palestra era só para descendentes [de japoneses]. [...] Aí, alguém falou para tirar a pessoa [que fez a pergunta]. Outras pessoas abriram o microfone e falaram: 'Para que tirar se ela só fez uma pergunta?'. Estavam promovendo o caos. Começaram a brigar de mentira entre eles", relembra a psicóloga.

Os comentários, antes disfarçados de dúvidas, tornaram-se cada vez mais agressivos. Para Kikuti as palavras foram premeditadas para tocar em pontos sensíveis aos presentes.

"Eles abriram o microfone e falaram coisas de teor sexual. O primeiro começou escrevendo no chat que me achou muito linda, coisa que não cabe no ambiente da palestra", destaca a palestrante.

Tukamoto, então, avisada por Kikuti sobre os ataques, foi em direção ao computador para excluir os invasores, momento que ouviu uma frase racista de um deles. "Estava desesperada tentando banir o pessoal e escutei alguém falando para a Karina abrir o olho. [...] O pessoal que estava presencialmente ficou preocupado e tentou ajudar. Não sei como consegui me manter conversando", reflete Tukamoto, que terminou a palestra sozinha para os que estavam presentes na UEL.

A frase "abre o olho", comumente direcionada às pessoas de origem asiática, é considerada racista por estudiosos do assunto.

O que Tukamoto e Kikuti não sabiam é que invasões como essa sofrida por elas são muito comuns no TikTok. Na rede social, vídeos com pessoas proferindo xingamentos em TCCs (Trabalhos de Conclusão de Curso), apresentações de mestrado e até entrevistas de emprego são virais.

"Eu nunca ouvi falar, e olha que eu produzo conteúdo para o TikTok também. É triste, mas não me surpreendo. A situação foi bem caótica. Eles estavam querendo boicotar a palestra, estavam com uma estratégia muito clara e arquitetada para isso. Foi muito chocante", relembra Tukamoto.

Para Tukamoto, o episódio serve para que a sociedade fique atenta ao racismo contra a população nipônica. "O sentimento é de que fomos silenciadas. O racismo contra amarelos é real. Nós não temos a visibilidade de outras minorias raciais. Essas palestras também caminham para que a gente possa trazer esse tema para quem, às vezes, vai ouvir pela primeira vez. [...] É um fortalecimento da nossa comunidade."

Kikuti pontua que a situação a marcou negativamente. "Eu fui muito desrespeitada. Todos foram desrespeitados nesse sentido. Para mim, não consigo nem sentir raiva ainda, eu me sinto muito machucada. Eu sinto que isso não é humano", desabafa, emocionada.

Tukamoto e Kikuti ressaltam que vão analisar o que pode ser feito juridicamente, já que as práticas - além do constrangimento momentâneo - são acompanhadas de exposições no TikTok.

Ainda na manhã desta quinta-feira, o CASM (Centro Acadêmico Sete de Março - do curso de Direito da UEL) publicou uma nota de repúdio. "O CASM se solidariza com o NECJ e com as palestrantes Bruna e Karina e repudia toda e qualquer forma de intolerância. [...] Hoje, mais do que nunca, é um dia para refletirmos e combatermos a discriminação."

Por meio de nota, a UEL “lamentou o ataque ocorrido durante o evento realizado no último dia 29, promovido pelo Núcleo de Estudos de Cultura Japonesa (NECJ), da Assessoria de Relações Internacionais (ARI)”. “A Universidade está prestando suporte às palestrantes e aos participantes do evento, disponibilizando sua estrutura para acolhimento e orientação. Além disso, adotou todas as medidas administrativas e jurídicas cabíveis para a preservação do material e identificação dos responsáveis. O caso já foi denunciado às autoridades competentes, com registro de Boletim de Ocorrência junto à Delegacia de Crimes Cibernéticos.”