Iniciativas de humanização trazem benefícios aos pacientes
Ao fortalecer a relação entre a equipe hospitalar e os pacientes, a humanização complementa o atendimento tradicional
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025
Ao fortalecer a relação entre a equipe hospitalar e os pacientes, a humanização complementa o atendimento tradicional
Jéssica Sabbadini - Especial para a FOLHA

Nos mais diversos aspectos da vida, são os pequenos gestos que marcam e podem fazer a diferença. Dentro dos hospitais, ações simples podem melhorar o dia a dia dos pacientes internados e até contribuir para a recuperação física e mental.
Esse é o papel da humanização nas instituições hospitalares, método que ajuda a fortalecer a relação entre pacientes e equipe médica ao passo em que complementa o atendimento tradicional. Humanizar o tratamento é, apontam os especialistas, ir além e enxergar o paciente muito além da doença.
Rafaela Costa integra a comissão de humanização do Hospital da Providência, em Apucarana (Centro-Norte), que é formada por uma equipe que envolve profissionais de diversas áreas e tem o objetivo de discutir ações para tornar a estadia dos pacientes "menos dolorosa".
Como o carinho vive nos pequenos detalhes, é no aniversário dos pacientes que o cuidado ganha forma. Perto do dia da celebração, a equipe estuda o que o internado pode comer e, após a liberação médica, prepara uma festa temática. “A gente tenta escolher algo que eles gostem para podermos comemorar juntos”, explica.
No aniversário de 64 anos de Ronaldo Rodrigues da Silva, o tema não poderia ser outro: o Palmeiras. Com direito a camisa do “Verdão”, bexigas e enfeites, a festa foi uma forma de aliviar o sofrimento por conta dos mais de sete meses internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em decorrência de um enfisema pulmonar.
Filho de Ronaldo, Bruno Brantes da Silva conta que não há previsão de alta médica pelo fato de o pai precisar de ajuda de uma máquina para respirar. Nos mais de 200 dias de internação, o palmeirense já enfrentou duas paradas cardíacas e diversos quadros de infecção.
O vidraceiro admite que é difícil segurar o choro ao final de cada visita. “Meu pai é meu orgulho. Todos os dias que vou lá digo a ele que se sou quem sou, se somos quem somos, todos unidos, é graças a ele”, afirma.
E é em momentos como esse que pequenas ações ganham proporções gigantescas. A ideia de organizar uma festa de aniversário foi compartilhada entre familiares e a equipe do hospital. Segundo o filho, foi impossível conter a emoção ao ver o pai com um sorriso no rosto com a surpresa. “Ver meu pai feliz é, sem dúvidas, o mais importante neste momento”, afirma.
AMBIENTE ACOLHEDOR
A psicóloga Tatiana Martins Gadens, coordenadora do Grupo Técnico de Humanização da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), explica que o atendimento humanizado complementa o tradicional. “Enquanto o atendimento tradicional foca em aspectos técnicos e clínicos, o atendimento humanizado prioriza a relação entre profissionais de saúde e pacientes, levando em conta suas emoções, necessidades e experiências”, aponta.
Segundo ela, as ações são baseadas na PNH (Política Nacional de Humanização) e são uma forma de criar um ambiente mais acolhedor e empático, o que pode melhorar a satisfação do paciente e até mesmo os resultados de saúde. “Juntas, essas abordagens oferecem um cuidado mais completo e eficaz”, afirma. A PNH foi criada em 2003 como uma forma de valorizar e incentivar tanto os trabalhadores quanto os usuários da saúde a agir coletivamente em busca de um sistema mais justo, humano e acolhedor.
Ao falar em ações de humanização, Gadens detalha que essa é uma abordagem que reconhece o paciente como um ser humano integral, com emoções, histórias de vida e necessidades que vão além da condição médica.
“Isso significa considerar o contexto social, psicológico e emocional do paciente, promovendo um cuidado que respeita sua dignidade e individualidade. A humanização busca criar um ambiente de acolhimento, empatia e comunicação aberta, em que o paciente se sinta ouvido e valorizado, contribuindo para uma experiência de atendimento mais positiva e eficaz”, explica.
Segundo a psicóloga, estudos mostram que um ambiente acolhedor e uma relação de confiança com os profissionais de saúde podem reduzir o estresse e a ansiedade, fatores que muitas vezes interferem na recuperação. Além disso, a comunicação clara e empática pode contribuir para uma melhor adesão ao tratamento, já que o paciente se sente mais envolvido e informado sobre sua saúde.
“A humanização também pode contribuir para a redução do tempo de internação e melhorar a satisfação geral com o atendimento. Portanto, a abordagem humanizada não só beneficia o bem-estar emocional do paciente, mas também pode ter um impacto significativo em sua recuperação física”, garante.
GESTOS QUE TRANSFORMAM O DIA A DIA
Técnicas de enfermagem no Hospital da Providência, Kaylaine Maria de Souza e Karen Ruany Gomes Silva transformam o banho de leito em pacientes acamadas em momento de cuidado, carinho, empatia e beleza. Após a lavagem e hidratação dos cabelos, as pacientes ganham penteados e enfeites com laços e presilhas.
O gesto é uma forma, segundo Souza, de colocar um sorriso no rosto dos pacientes. “Elas ficam felizes, agradecem, e a gente consegue ver que um simples ato pode transformar o dia daquela paciente”, conta.
Principalmente no caso das mulheres, a ação ajuda a aumentar a autoestima das acamadas, já que elas ficam impossibilitadas de manter uma rotina de cuidados simples, como passar perfume ou hidratar a pele.
ATENDER A VONTADE DOS PACIENTES
Enfermeira e coordenadora multiprofissional da Santa Casa de Londrina, Juliana Pomin alerta para a importância de ouvir o paciente e os familiares durante a estadia no hospital, já que é isso que vai fazer com que as ações complementares sejam eficientes.
Para um paciente muito apegado ao animal de estimação, por exemplo, a equipe organiza a visita do pet no ambiente hospitalar. O encontro é feito no pátio se for o caso de um paciente que pode se locomover, ou até mesmo dentro do quarto para aqueles que estão impossibilitados de sair da cama.
Na identificação do que mais pode trazer benefícios aos pacientes, a equipe de psicologia tem um papel fundamental, já que é responsável por entender a importância de cada um dos vínculos.
De maneira organizada, na maioria das vezes essas visitas ou ações são feitas em um curto espaço de tempo, já que muitos pacientes, que às vezes sofrem com doenças graves, podem não ter uma segunda oportunidade. “Nós precisamos ser facilitadores desses encontros”, afirma.
Alguns momentos registrados durante a pandemia de Covi-19 ainda estão bem vivos na memória da enfermeira, como o caso de um paciente que foi transferido para a UTI no dia em que a neta nasceu. Ao ser questionado se gostaria de falar algo à família, ele mencionou a vontade de conversar com a nora.
“Nós plastificamos o telefone de uma pessoa da equipe e fizemos uma chamada de vídeo. Foi emocionante”, conta, com a voz embargada. Pouco tempo depois, o estado de saúde do paciente se agravou e ele não resistiu. “A gente precisava abrir essa possibilidade para uma despedida”, recorda.
Em outro caso, uma idosa com Covid-19 apresentou melhora nos sinais vitais no momento em que a filha entrou no quarto. “É uma coisa que até me emociona porque a saturação de oxigênio subiu consideravelmente só pela presença da filha”, relata.
Pomin destaca a importância do tratamento amplo, que envolve áreas como a espiritualidade. “Se é um desejo do paciente, nós vamos facilitar para atender”, garante.
HOSPITAL COM ALMA E CORAÇÃO
Internada desde o início de fevereiro na Santa Casa de Londrina para passar por uma cirurgia cardiovascular, Maria Tereza Castello Branco Fantini afirma, comovida, que foi emocionante comemorar o 66° aniversário no dia 12 de fevereiro no hospital: “Algo que eu nunca imaginei”.
A idosa, que é de Nova Fátima (Norte Pioneiro), recebeu alta no último domingo (23) e pôde retornar para casa com uma visão diferente do hospital. Para ela, aquele não é mais um ambiente frio: “você vê que esse lugar tem alma, tem coração”.
É nesse contexto que Héracles Arrais, vice-presidente da Femipa (Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná) e diretor da Santa Casa de Paranavaí, reforça a importância que a humanização tem dentro dos hospitais.
“A humanização fortalece o vínculo do paciente com a equipe e com o hospital, tirando aquela visão de que o ambiente hospitalar é pesado”, afirma o dirigente da entidade, que representa 91 hospitais no estado.
Arrais destaca a importância da troca de informações pelas instituições, o que ocorre principalmente durante eventos e palestras. Entre 25 e 27 de março, a federação vai realizar o 17ª Seminário Femipa, cuja programação inclui um workshop voltado para a liderança em humanização.

