Índios mundurucus acusam PM de matar dois jovens no AM
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sexta-feira, 07 de agosto de 2020
FABIANO MAISONNAVE E MONICA PRESTES
BRASILÂNDIA, MS, E MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - A PM do Amazonas teria matado dois indígenas do povo mundurucu no município de Borba, a 150 km a sudeste de Manaus, segundo relatam familiares. Os assassinatos teriam sido uma represália à morte recente de dois policiais na região.
O crime teria acontecido na manhã da quarta-feira (5). Segundo moradores da aldeia Laguinho, Josimar Moraes Lopes, 26, e Josivan Moraes Lopes, 18, saíram de Borba por volta das 8h da manhã, rumo à cidade de Nova Olinda do Norte. O mais velho, transportador escolar, estava indo ao banco para retirar o salário, acompanhado do irmão, estudante.
Por volta das 10h, moradores ouviram seis disparos. Em seguida, passou uma lancha ocupada por PMs. Nesta sexta-feira (7), o corpo do Josimar foi encontrado no igarapé Bem Assim, dentro da Terra Indígena Coatá-Laranjal. Josivan continuava desaparecido até a conclusão deste texto.
"Eu quero justiça pelo que a polícia fez dentro da minha comunidade, dentro do meu rio, onde não deveria ter entrado sem autorização", afirmou a cacique Alessandra Munduruku, tia dos jovens, via áudio de WhatsApp. "Nós somos indígenas, vivemos no mato, mas ninguém é animal para morrer desse jeito."
O professor Emilson Frota Munduruku afirma que os PMs foram mortos no rio Abacaxis, bem distante da aldeia Laguinho, mas que a comunidade fica na rota para chegar ao local. "São policiais com raiva, com sangue nos olhos, com desejo de vingança", disse o docente, mestrando em antropologia social da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas disse que não havia informação sobre indígenas mortos na operação. Em nota emitida na noite de quinta-feira (6), informou que não recebeu denúncias sobre abusos policiais.
A pedido do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União, a juíza federal Raffaela Cassia de Souza determinou nesta sexta-feira que a Polícia Federal envie um efetivo à região "em face dos potenciais abusos e ilegalidade relatados".
A magistrada também decidiu que o estado do Amazonas "se abstenha imediatamente impedir a circulação dos povos indígenas e ribeirinhos na região, sob pena de multa diária de R$ 100 mil".
PERSEGUIÇÃO E ABUSOS
Na quinta (6), o Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas já havia denunciado invasão de domicílio, condução ilegal, agressão e tortura, na frente do comandante-geral da PM, Ayrton Norte, de uma liderança ribeirinha.
Seria uma resposta à morte dos PMs, ocorridas durante ação no rio Abacaxis, na segunda (3). Segundo a Secretaria de Segurança Pública, eles foram baleados durante um confronto com traficantes. Outros dois policiais militares ficaram feridos.
No dia seguinte, a secretaria enviou para a região um reforço de 50 policiais militares liderados pelo comandante-geral da Polícia Militar, Ayrton Norte. Foi quando começaram as denúncias de abusos policiais contra os ribeirinhos e indígenas.
Entre os abusos, os PMs teriam torturado o presidente da Associação Nova Esperança do Rio Abacaxis (Anera), Natanael Campos da Silva. Ele teria sido detido e liberado horas depois, com vários hematomas de agressão pelo corpo e pelo rosto.
Segundo Silva, ele foi chamado a um hotel em Nova Olinda do Norte para ajudar nas investigações, mas ao chegar lá foi acusado pelo comandante da PM do Amazonas, Ayrton Norte, de estar encobrindo os traficantes suspeitos de terem atirado nos policiais.
"Depois me levaram pra um lugar mais afastado e começaram a me bater. Eram uns dez policiais e o comandante lá, assistindo. Pararam um pouco, depois teve outra sessão numa lancha chamada Arafat. Meteram um saco plástico na minha cabeça e me perguntavam quantas pessoas estavam envolvidas. Eles ficavam falando que eu não ia escapar", disse a liderança à reportagem, por telefone. A detenção e a tortura teriam durado duas horas.
PESCA ILEGAL
Segundo o MPF, os conflitos no rio Abacaxis foram provocados por uma pescaria esportiva sem licença ambiental com a participação do secretário-executivo do Fundo de Proteção Social (FPS) do governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende, dentro de uma área de proteção federal de uso tradicional de povos indígenas e ribeirinhos, no dia 23 de julho, em plena epidemia de Covid-19.
Os ribeirinhos e indígenas relataram ao MPF que duas embarcações, de nome Dona Dorva e Arafat (esta sendo a lancha usada pelos PMs na operação policial), entraram sem autorização na área da reserva com pescadores a bordo e foram impedidas de ficar no local pelos moradores.
A versão dos pescadores, entre eles o secretário-executivo do FPS, foi outra. Em depoimento à polícia e entrevistas à imprensa local, dizem que os comunitários, após impedirem a entrada deles no rio, tentaram roubá-los e atiraram contra eles. Rezende teria sido atingido no ombro.
Cerca de uma semana depois, aconteceu a primeira operação no rio Abacaxis, com o envio de 21 policiais de Manaus. Além de pesca ilegal, a região tem registro de garimpo e tráfico de drogas.