O domingo (18) foi de muita ansiedade para os inscritos na 19ª edição do Vestibular dos Povos Indígenas do Paraná. Estudantes das etnias Kaingang, Guarani, Xetá, Fulni-ô e Terena realizaram a prova oral em que as bancas avaliam a capacidade dos candidatos de interpretar textos e argumentar sobre um tema escolhido. Neste ano, os candidatos se depararam com peças publicitárias e trechos de artigos relacionados a uma campanha de combate ao preconceito lançada pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em 2017.

 Rafael da Silva Rodrigues
Rafael da Silva Rodrigues | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

O estudante Rafael da Silva Rodrigues, 20, mora na Terra Indígena São Jerônimo, em São Jerônimo da Serra (Norte Pioneiro), e sonha em cursar educação física na UEL (Universidade Estadual de Londrina). “Na prova perguntaram sobre o preconceito que a gente sofre no dia a dia, as coisas que temos dentro das reservas, de tecnologia. Algumas pessoas acham que a gente é menos índio porque tem carro, mas por que a gente não pode ter uma vida melhor? Uma vida melhor para dar para os nossos filhos, para a nossa família? Por que a gente não pode ser um professor, um médico?”, questionou ao deixar o Colégio de Aplicação, no centro de Londrina.

 Licéia Lima
Licéia Lima | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

A candidata Licéia Lima, 35, pertence à Terra Indígena Barão de Antonina, também em São Jerônimo da Serra. Ela quer dar início à graduação de letras. “Comecei a gostar da língua portuguesa e, na verdade, queria língua portuguesa e Kaingang, mas não existe. Se existisse, eu escolheria esse curso”, lamentou. “Essa é a terceira vez que faço a prova. Algumas pessoas ainda pensam que o índio tem que viver no mato, mas o pensamento deles tem que mudar. Os indígenas evoluíram muito”, afirmou.

“Fiquei muito nervoso hoje. Acho que errei umas palavras. É a primeira vez que faço vestibular. Quero fazer pedagogia. Gostei de ver os professores lá na minha terra. Acho que vou ter que estudar mais para a prova de amanhã”, disse Valdeir Gino, 22, também morador da Terra Indígena Barão de Antonina.

Valdeir Gino
Valdeir Gino | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

O vestibular é organizado pela Cuia (Comissão Universidade para os Índios) , formada por representantes das sete universidades estaduais, da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e da Seti (Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior). Os 750 candidatos disputam 52 vagas distribuídas nas universidades estaduais e na UFPR. Ao todo, 266 candidatos concorrem a uma das seis vagas ofertadas na UEL.

A presidente da Cuia na UEL, Mônica Kaseker, ressaltou que as provas foram aplicadas com tranquilidade neste domingo. Porém, ela estima que a quantidade de candidatos ausentes tenha ultrapassado o índice esperado. Os números oficiais devem ser divulgados nesta segunda-feira.

“Pela primeira vez a prova foi aplicada de forma regionalizada. Essa mudança talvez tenha gerado algum impacto. Muitos tiveram que ir e voltar de ônibus no mesmo dia. Até o ano passado, a prova era aplicada em Faxinal do Céu, no município de Pinhão (Região Centro-Sul). Apesar de ser longe, era um grande encontro entre os povos e a estrutura ficou pequena para abrigar todos”, explicou.

Aos inscritos foram disponibilizados transporte, alimentação e alojamento, quando necessário. Em Londrina, o vestibular reúne candidatos das terras indígenas Apucaraninha, São Jerônimo, Barão de Antonina, Posto Velho, Laranjinha e Pinhalzinho.

REDAÇÃO

Nesta segunda-feira, os candidatos farão a prova escrita que inclui redação e 40 questões objetivas das disciplinas de língua portuguesa (interpretação de textos), língua estrangeira moderna (inglês ou espanhol) ou língua indígena (Guarani ou Kaingang), biologia, física, geografia, história, matemática e química. Em Londrina, a avaliação será aplicada no Ceca (Centro de Educação, Comunicação e Artes), no campus da UEL, a partir das 13h30.

“É fundamental ter um vestibular específico que seja focado nos conhecimentos interculturais para valorização dessa diversidade étnica. Eles tiveram acesso tardiamente à universidade e é preciso ter políticas públicas de acesso, permanência e conclusão dos cursos de graduação para esses candidatos. A evolução é muito lenta, mas hoje, por exemplo, tivemos indígenas nas bancas de avaliação do vestibular”, comemorou. A lista dos aprovados será divulgada no dia 20 de dezembro.