RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A corrida pela importação de respiradores para o atendimento de pacientes graves infectados pelo novo coronavírus já provocou a queda de secretários, prisões de servidores públicos e empresários.

No Rio de Janeiro, o antigo número dois da Secretaria de Saúde foi preso preventivamente nesta quinta-feira (7) com mais um servidor e três empresários sob suspeita de crimes na aquisição sem licitação dos equipamentos. Em Roraima e em Santa Catarina, os secretários de Saúde foram exonerados também sob suspeita de irregularidades.

Em São Paulo, as compras de ventiladores pulmonares também estão sob investigação do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado.

As secretarias estaduais têm firmado contratos sem licitação com diferentes fornecedores, muitos sem histórico na área e com preços que variam até 80% entre os estados. Enquanto o Pará pagou R$ 120 mil por unidade, Roraima investiu R$ 216 mil por equipamento.

Uma das medidas questionadas é o pagamento antecipado pelos produtos. A prática, pouco usual na administração pública, tem sido adotada sob a justificativa de que as fábricas chinesas exigem pagamento antecipado para garantir a posição na fila de espera.

No Rio de Janeiro, Gabriell Neves, ex-subsecretário-executivo da Secretaria de Saúde, foi preso. De acordo com o MP-RJ, ele e outros quatro investigados formaram "uma organização criminosa estruturada para obter vantagens em contratos emergenciais" na compra de ventiladores pulmonares.

O estado firmou contratos com três empresas para obter, no total, mil unidades. Apenas 52 foram entregues até esta quinta. De acordo com a avaliação técnica do Tribunal de Contas do Estado, as firmas escolhidas não demonstraram capacidade para fornecer o volume de equipamentos prometidos nos prazos definidos em contrato.

Neves havia sido demitido há um mês após o jornal Folha de S.Paulo revelar que documentos das contratações emergenciais, alvo de reportagens, se tornaram sigilosos, ato revertido logo em seguida.

A Secretaria de Saúde firmou três contratos para comprar respiradores de, somados, R$ 183,6 milhões. O valor unitário do respirador variou de R$ 169 mil a R$ 198 mil.

As empresas que cobraram mais caro, MHS Produtos e Serviços e A2A Informática, não entregaram nenhum dos 300 ventiladores prometidos até o final de abril. A Our Company disponibilizou 52 das 400 unidades contratadas e a MHS prometia entregar 97 até o dia 10 de maio.

O secretário Edmar Santos afirmou na terça-feira (5) que o contrato com a A2A Informática seria rompido porque ela reconheceu que não teria mais como entregar os equipamentos contratados. A empresa já havia recebido R$ 9,9 milhões antecipadamente, como revelou o blog do jornalista Ruben Berta.

Santos disse que ainda esperava receber parte dos respiradores contratados junto às duas outras empresas. De acordo com o MP-RJ, 25 ventiladores foram encontrados na sede da Our Company e entregue ao governo para uso atendimento de pacientes infectados pelo novos coronavírus.

Em Santa Catarina, Helton Zeferino foi exonerado após o The Intercept Brasil revelar a compra de 200 respiradores por R$ 33 milhões. Os equipamentos ainda não foram entregues, tendo o prazo já expirado. A empresa contratada, Veigamed, não tinha histórico de atuação na área.

Zeferino teve os bens bloqueados pela Justiça e, em depoimento à polícia, atribuiu ao secretário da Casa Civil, Douglas Borba, a indicação da empresa contratada.

A ex-superintendente de Gestão Administrativa, Márcia Pauli, também demitida em razão das compras, disse em entrevista ao Balanço Geral Florianópolis ter ouvido citações ao nome do governador Carlos Moisés (PSL) durante a tramitação da compra sob suspeita.

Em Roraima, o pagamento antecipado de parte de um contrato de R$ 6,5 milhões para a compra de 30 respiradores provocou a queda do ex-secretário Francisco Monteiro. A Polícia Civil realizou buscas na secretaria para apurar o caso.

"Monteiro fez um ato de solidariedade de salvar vidas, como secretário de Saúde, mas analisando o processo, ele não seguiu o rito normal e houve algumas falhas processuais devido ao pagamento antecipado", disse o governador de Roraima, Antônio Denarium (PSL).

No Amazonas, a contratação de uma loja de vinhos para a compra de 28 respiradores, revelada pelo UOL, virou alvo de investigação da Procuradoria-Geral da República. O alvo é o governador Wilson Lima (PSC).

A Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro disse, em nota, "que segue o compromisso de transparência e aderindo as orientações do TCE e MP".

O governo do Amazonas disse, em nota, "que atua com transparência e tem respondido a todos os questionamentos dos órgãos de controle".

"Ressalta, ainda, que não há superfaturamento na compra dos ventiladores, que já estão em uso na rede estadual de saúde em leitos de retaguarda. Os aparelhos foram comprados por meio de importadora que atua no mercado há 18 anos e está cadastrada na Receita Federal para realizar o comércio de instrumentos e materiais médicos, hospitalares, laboratoriais e cirúrgicos", afirma o governo.

"A afirmação de que os equipamentos foram adquiridos em uma loja de vinho é falsa, uma vez que o CNPJ de ambas é distinto, assim como a data de abertura, conforme é possível comprovar junto à Receita Federal", declarou a gestão Wilson Lima.

Os governos de Santa Catarina e Roraima não responderam ao questionamento da reportagem.