Davos, Suíça, 30 (AE) - A crise internacional passou e o Brasil e outras economias emergentes ou em transição saíram das primeiras páginas. A preocupação mais sensível no Fórum Econômico Mundial, neste ano, é o impasse da nova economia, com as negociações comerciais travadas e movimentos de rua contra a globalização. Hoje foi a vez de o secretário do Tesouro norte-americano, Lawrence Summers, defender o avanço na integração internacional, repetindo um apelo formulado no dia anterior pelo presidente Bill Clinton e dois dias antes pelo primeiro-ministro britânico, Tony Blair. "Creio que podemos e devemos lançar a nova rodada comercial neste ano", havia dito Blair.
Nenhum tema foi tão importante quanto a questão comercial nos encontros reservados de líderes políticos, empresariais e acadêmicos, confirmou o presidente do Banco Central do Brasil, Armínio Fraga, depois de participar de uma dessas reuniões no sábado à noite. O reinício das discussões comerciais é prioridade brasileira, disse Armínio, e quanto a isso houve praticamente consenso nas discussões fechadas. Mas a inclusão de cláusulas sociais e ambientais continua inaceitável para o Brasil, embora sejam preocupações importantes da política interna, acrescentou o presidente do BC, muito reticente sempre, ao tocar em questões de outras áreas do governo.
Depois da crise - Armínio Fraga concentrou-se, na maioria dos encontros, em apresentar a imagem de um País em recuperação e comprometido com mudanças de longo prazo, simbolizada, na maioria de suas exposições, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada, por enquanto, na Câmara dos Deputados. O presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econõmico e Social, Andrea Calabi, em geral falou sobre o programa de pivatização e sobre oportunidades de investimento, em geral perante pequenos grupos de interessados.
Mas a pouca atenção dedicada à economia brasileira, nestes dias, tem um aspecto positivo na avaliação de vários brasileiros, incluído o presidente do BC. Numa escala de zero a dez, a preocupação com o Brasil caiu de dez há cerca de um ano para sete e em seguida para cinco, segundo a avaliação de Fraga. Seu amigo e ex-empregador George Soros nem sequer se mostrou informado sobre detalhes do Brasil. "Mas tudo indica que meu amigo Armínio Fraga está fazendo um bom trabalho", acrescentou, ao sair de uma entrevista coletiva.
Summers foi um pouco mais extenso ao comentar, também estimulado por uma pergunta, a situação das economias em crise no ano passado. Houve, segundo ele, uma importante melhora, tanto nas economias emergentes da ásia quanto nas latino-americanas, associada ao controle das contas públicas e ao "hábil manejo da política monetária". A confiança no Brasil
acrescentou, foi em grande parte restaurada, mas não é tempo, ressalvou, para complacência. Um ano antes, Summers, ainda subsecretário do Tesouro, havia feito alguns dos comentários mais corrosivos sobre a crise brasileira.
Soros se mostra muito mais confiante do que há um ano em relação à segurança do sistema internacional. Quando lhe perguntaram sobre rumores de problemas com uns poucos hedge funds nos Estados Unidos, respondeu que alguns "movimentos estranhos haviam sido observados", mas que estava longe demais para dizer algo preciso. Pouco antes, Soros havia comentado que esses fundos de investimento deveriam ser regulamentados tanto quanto outros setores do mercado financeiro. Mas havia acrescentado que a agência novaiorquina do Banco Central dos Estados Unidos foi capaz de agir eficientemente, no pior momento da crise, para impedir uma quebra desastrosa do Long Term Capital Management, um dos mais importantes fundos de investimento financeiro.
Se for novamente necessário, havia acrescentado Soros, as autoridades serão provavelmente capazes de enfrentar o problema. O financista se mostra muito mais preocupado, agora, com a situação de Kosovo, ainda marcada pela insegurança e pela violência. É preciso cuidar disso e também de um pacote financeiro para a região, segundo Soros.
Jogo global - O grande tema do Fórum, neste ano, foi mesmo o impasse da globalização e isso ficou bem marcado tanto nas sessões abertas quanto nos encontros reservados. Desses encontros participam normalmente as principais autoridades do Fórum, como chefes de governo, ministros, parlamentares, grandes empresários e técnicos de peso internacional. Como de costume, dois participantes apresentaram à imprensa, hoje, um resumo das sessões reservadas.
As questões dominantes em três sessões fechadas, segundo o senador norte-americano John Kerry, um democrata de Massachussetts, foram a brecha entre os países mais e menos avançados, na nova economia mundial, e os obstáculos à marcha da globalização. Esses obstáculos se manifestaram em Seattle, não só nas manifestações de rua, mas também nas discussões ministeriais da Organização Mundial de Comércio: as divergências sobre como tratar as questões sociais e relativas ao ambiente, o desconforto da maioria das delegações diplomáticas, excluídas de muitas deliberações, e a exigência, manifestada nas ruas, de participação da sociedade nas grandes deliberações econômicas.
As posições dos governos podem ser a mesma de Seattle. Isso foi indicado nas manifestações dos presidentes Bill Clinton
dos Estados Unidos, e Ernesto Zedillo, do México, mas o peso das várias questões parece hoje bem mais claro do que há dois meses.
As preocupações estritamente econômicas foram substituídas em grande parte por temas políticos e sociais. A recuperação japonesa é ainda considerada incerta e a Rússia continua presa a dificuldades, mas o resto do cenário é descrito com otimismo. Hoje Summers falou sobre as perspectivas dos Estados Unidos. O crescimento poderá ser menor, nos próximos meses, mas os fundamentos da economia são sólidos, com superávit fiscal e uma expansão puxada por investimentos e modernização. Apesar disso, segundo Summers, a história aconselha evitar a autocomplacência. É preciso manter as políticas fiscal e monetária na direção certa e elevar a poupança das famílias. Ele fez esse comentário sobre os Estados Unidos duas vezes, em dois dias. Hoje, mandou o mesmo recado aos brasileiros.