Curitiba - Mesmo após 30 anos de Aids no Brasil e de tantas campanhas informativas, o preconceito contra portadores do vírus HIV continua imenso. Situação escancarada por um grupo de quatro soropositivos e participantes ativos da ONG "Fênix - Ações Pela Vida", de Curitiba, que conversou com a FOLHA.


Só um dos entrevistados ousa revelar o nome verdadeiro. Ele é Adilson Fernandes Lopes, 37 anos, que descobriu ser portador do vírus quando tinha 17.


O contágio aconteceu na prisão, ao compartilhar agulha de tatuagem com colegas. Sem saber, acabou engravidando sua esposa mas a criança não foi contagiada. A descoberta do HIV, relembra ele, foi um choque. Nada, porém, comparado ao preconceito. "Eu não me sentia aceito em nenhum lugar e me mudei de cidade várias vezes. Perdi minha família porque a maioria é evangélica e minha mãe considera Aids obra do demônio", conta.


Para Mara, 37, o choque não foi diferente. Ela trabalhava em hospital e, na época, uma sobrinha precisou de doação de sangue. Dias depois de doar, foi chamada ao banco de sangue e recebeu a notícia. A rejeição desabou sobre ela: foi demitida do emprego e até hoje luta por seus direitos na Justiça. O drama maior, no entanto, foi quando na escola do filho descobriram que ela era soropositivo. Todos passaram a achar que o menino também havia sido infectado. Os colegas passaram a intimidá-lo e ele acabou expulso. O menino entrou em depressão e tentou suicídio duas vezes, aos 12 anos. "Foi a pior experiência que eu poderia ter. Me senti muito culpada por tudo o que estava acontecendo."


Andrea, 31 anos, descobriu a Aids na gravidez do primeiro filho, aos 25 anos. Como passou a vida inteira na zona rural, sequer sabia da existência da doença e chegou até a amamentar o primeiro filho. Ao levá-lo ao pediatra, foi orientada e a criança teve o vírus negativado. O mesmo ocorreu com a segunda filha. Agora, separada do marido, Andrea conta só com o apoio da ONG, porque até hoje sua família desconhece que ela é portadora do HIV.


Maria, 46, é a prova de que nem relações conjugais tradicionais e antigas escapam da Aids. Com 14 anos conheceu o marido, casou-se aos 15 e descobriu que era soropositivo com 25 anos de casada, dez anos atrás, após uma doação de sangue. "Me separei dele na hora. Foi horrível, fiquei mais de dois anos em depressão. Minha vida não tinha mais sentido." Após se reerguer, conheceu outro soropositivo e teve um filho com ele. A relação não evoluiu e ela se separou novamente. Hoje, Maria continua com seus seis filhos e em silêncio sobre a doença.

Uma jovem como qualquer outra

A estudante Aline, que optou por manter seu nome verdadeiro em sigilo, nasceu logo depois que a Aids chegou ao Paraná, na década de 1980. "Filha da Aids", como a maioria das crianças que eram fruto de uma relação de pais soropositivos, ela não conseguiu se livrar do vírus. Hoje, aos 22 anos, faz o tratamento junto com a mãe e a irmã mais nova. O vírus entrou na família trazido pelo pai, dependente químico que ainda recusa o tratamento. Mesmo tendo nascido com o HIV, a jovem só descobriu que era portadora aos 12 anos. A mãe escondia a doença das filhas.

Apesar de tudo, Aline trabalha, faz faculdade e namora, como tantas outras jovens. Ela ressalta, porém, que tudo tem de ser feito com moderação. Beber, por exemplo, apenas se interromper o tratamento, algo arriscado. Relação sexual só com preservativo, ainda mais porque o namorado não é soropositivo.

Sobre seu relacionamento, Aline admite que chegou a ter relações sexuais sem revelar ao namorado que tinha Aids, por medo de rejeição. Mas fez questão da camisinha. Com o tempo, o rapaz acabou descobrindo. Hoje, ela alerta os jovens para nunca acharem que a Aids está estampada no rosto das pessoas. O melhor, completa, "é se prevenir sempre".

Ciência beneficia filhos da Aids

Uma das mais importantes vitórias da ciência foi conseguir evitar que os filhos de gestantes com Aids também se tornassem soropositivos ao nascer. Com o acompanhamento da gestação e pós-gestação, mesmo que o bebê tenha sido infectado durante o parto, ele pode ter a sorotipagem negativada e crescer livre da doença. A mãe, no entanto, não pode amamentar. Só 2% dos casos são irreversíveis.

Para a presidente da Sociedade de Infectologia do Paraná e diretora técnica do Departamento de Infecção e DST/Aids do Hospital Oswaldo Cruz, Rosana Camargo, o aumento de casos de aids envolvendo mulheres no Brasil em relação ao dos homens tem relação com o machismo da sociedade. Os pais falam mais para os filhos sobre a necessidade e importância do uso da camisinha do que para as filhas.

Se hoje as mulheres parecem estar mais vulneráveis, no passado não era assim. Acreditava-se à época que a Aids estaria restrita à alguns grupos como, por exemplo, os homossexuais. Em Curitiba, por exemplo, o primeiro registro 'em 1984' seguiu o que se pensava. O paciente era um homem, homossexual, internado no Hospital Oswaldo Cruz, hoje um centro de referência. Outra característica é que ele pertencia a uma classe social elevada. A realidade atual é muito diferente. A maior parte dos registros está relacionada ao público feminino e heterossexual.