Hipóteses de fraude eleitoral são variadas Do enviado especial Roberto Lameirinhas
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sábado, 08 de abril de 2000
Lima, 09 (AE) - "Trata-se de uma operação de aritmética simples: (Alberto) Fujimori tem por volta de 43% dos votos, de acordo com as pesquisas. Os assessores confiam que, na cabine de votação, pelo menos 3% dos indecisos acabarão optando por ele. Se um bem-montado esquema de fraude acrescentar a essa votação um pouco mais de 4%, a eleição no primeiro turno estará garantida."
A análise foi feita à Agência Estado por um diplomata latino-americano que atua no Peru, sob a condição de não ter seu nome divulgado.
"Posso assegurar que todas as pessoas que têm algum acesso ao círculo do poder em Lima estão certas de que vai haver fraude."
Há duas possibilidades viáveis de fraudar o resultado das eleições, detalhou a fonte. "A primeira consiste em simplesmente alterar os votos nas regiões mais remotas do país - o que significa pelo menos 50% das mesas de votação -, onde dificilmente haverá fiscais da oposição", explicou. "A outra, mais sofisticada, envolve o próprio Escritório Nacional de Processos Eleitorais (Onpe) e seria consumada com a troca das atas eleitorais legítimas por outras, com o padrão oficial, mas forjadas de modo a favorecer Fujimori."
O congressista opositor Javier Díez Canseco fez denúncias semelhantes em entrevista ao Canal N, uma emissora de tevê a cabo de Lima. De acordo com Díez Canseco, as atas foram falsificadas fora do Peru, numa operação de guerra. "Ainda não temos provas materiais dessa operação, por isso não posso acusar diretamente ninguém, mas todos no Peru sabem que organismo estaria por trás de uma trama como essa."
Com a enigmática frase, aparentemente se referia ao Serviço de Inteligência Nacional (SIN) e ao misterioso Vladimiro Montesinos
que chefiou a entidade e é considerada a eminência parda do governo de Fujimori.
"É provável que, após a pressão internacional, principalmente de Washington, o próprio Fujimori estivesse disposto a abortar as operações de fraude", analisou a fonte diplomática. "Mas também é provável que o plano já estivesse em um estágio tão avançado que nem mesmo ele poderia detê-lo."
Citando dados publicados pela revista Caretas na semana que antecedeu à eleição, o diplomata afirmou que o sistema de votação, centralização e apuração de votos é um convite à fraude. "Os fiscais dos partidos de oposição devem cobrir não mais do que 40% ou 50% das quase 90.000 mesas em todo o país, a Defensoria do Povo estará presente em apenas um terço dos locais de votação e não terá pessoal para verificar o transporte das atas. Além disso, a missão da Organização dos Estados Americanos (OEA), não terá mais do que cem observadores para cobrir o mesmo transporte."
Ocorre que agora, sob a ameaça de sofrer sanções por parte dos Estados Unidos, uma vitória de Fujimori por meio de fraude deverá causar uma crise institucional de consequências imprevisíveis no Peru, previu o diplomata. "Entre os assessores políticos da presidência, chegou-se à conclusão de que o cenário ideal seria não vencer no primeiro turno, passando ao segundo com Alejandro Toledo.
Nesse intervalo, do primeiro para o segundo turno, o governo poderia tentar destruir a imagem de Toledo por meio da habitual campanha de difamação em emissoras de tevê partidárias de Fujimori e dos tablóides sensacionalistas, que receberam mais de US$ 90 milhões pela veiculação da propaganda estatal nos últimos anos.
A tese de "solução equatoriana" - uma eventual vitória ilegítima de Fujimori o forçaria a renunciar, premiando seu vice
Francisco Tudela, com a presidência - foi qualificada de "absurda" pela fonte. "Só alguém que não conheça Fujimori pode imaginar esse cenário."
Nem todos consideram ser inevitável a fraude. O chefe da Defensoria do Povo peruana, Jorge Santistevan de Noriega, por exemplo, declarou à AE estar otimista em relação à limpeza das eleições. "Nunca em toda a história do Peru estivemos sob os olhos de tanta gente, jamais tivemos um material eleitoral de tanta qualidade e nunca os organismos internacionais e os meios de comunicação nacionais e estrangeiros estiveram tão alertas quanto à possibilidade de fraude", disse. "Tenho de estar confiante de que o resultado da apuração será, efetivamente, o reflexo da vontade do eleitor peruano."
Equivalente a um Ministério Público, a defensoria é um organismo que opera com independência em relação aos poderes do Estado. Observadores internacionais consideram-na plenamente confiável, diferentemente do que ocorre com outras instituições estatais, incluindo as entidades eleitorais e o Poder Judiciário.
Santistevan considera procedentes todas as preocupações dos observadores, mas dizia no sábado ter certeza de que os próprios eleitores peruanos ajudariam a fiscalizar o processo, evitando abusos.
Indagado sobre se os mecanismos de apuração paralela montados pelos observadores seriam suficientemente eficazes para - na comparação com os resultados oficiais - detectar possíveis fraudes, Santistevan respondeu que sim.
"O grupo Transparência (uma entidade civil que atua como observadora extraoficial da eleição) vai iniciar uma contagem rápida, com base em métodos científicos de projeção estatística, duas horas antes do encerramento da votação", explicou. "O relatório sobre essa boca-de-urna deve dar parâmetros confiáveis para os observadores."