Curitiba- Pela primeira vez em sua vida, a pequena Mayara Ferreira dos Santos, de um ano e sete meses, vive sem as crises de epilepsia, recorrentes desde que nasceu. O fim das convulsões é o sinal que o Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR) aguardava para ter certeza de que a cirurgia de epilepsia de Mayara, feita dia 21 de junho passado, pela primeira vez no Paraná, deu certo.
Mayara nasceu com uma doença rara. Portadora de hemimegaencefalia, uma má-formação cerebral, caracterizada pelo aumento excessivo de apenas metade do cérebro, no seu caso, o hemisfério direito, ela convivia com um quadro severo de epilepsia, que produzia crises convulsivas continuamente. Para ter idéia da gravidade da situação, ela passou os dois meses anteriores à cirurgia na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), em coma induzido, única forma de conter as crises.
De acordo com os coordenadores do programa de cirurgias de epilepsia do HC, os neurologistas Luciano Paola e Carlos Silvado, a cirurgia era a única alternativa. Caso contrário, acabaria morrendo. A cirurgia, realizada dia 21 de junho por uma equipe de 15 médicos e técnicos em eletroencefalografia, além de anestesistas e enfermeiros, durou 12 horas. Mayara, então com um ano e quatro meses, teve todo o hemisfério direito retirado.
Como era esperado, após a cirurgia, a menina perdeu os movimentos do lado esquerdo do corpo. Dois meses depois, ela já recuperou o movimento da perna. E a expectativa dos médicos é que todos os movimentos retornem. Isso porque até oito anos de idade as crianças apresentam o que se chama de neuroplasticidade, ou seja, o outro lado do cérebro assume as funções do hemisfério cerebral retirado.
''Eu tive muito medo que ela morresse na cirurgia. Agora estou impressionada com a recuperação dela'', diz a mãe, Lucimara Ferreira dos Santos. Mayara teve alta 47 dias após a operação. Já retornou a Cascavel, onde vive com a mãe e o padastro Edson Dias de Lima, e ontem só voltou ao hospital para consulta e exames.
De acordo com os médicos, não há garantia de que a garota não venha a ter epilepsia no futuro. As chances de não desenvolver a doença são de 50% a 60%, conforme verificado em casos semelhantes. Pelo menos por cinco anos, terá que tomar remédio diariamente, e a expectativa é que tenha que continuar com o medicamento para sempre. ''Ela tinha duas opções: ou os 60% de chances que têm agora ou a morte'', afirma Paola.
O Programa de Cirurgia de Epilepsia do HC já realizou cerca de 150 cirurgias desde 1998, sendo este o primeiro caso deste tipo. Outros três pacientes foram submetidos a cirurgias semelhantes, com a retirada de todo um hemisfério cerebral. Eles eram portadores de encefalite de Rasmussen, uma doença progressiva que envolve todo um lado do cérebro, diferente da hemimegaencefalia. Os três estão recuperando os movimentos.