Imagem ilustrativa da imagem Governos do Paraná e de SP adotam cautela em 'corrida epidemiológica'
| Foto: Fundo Russo de Investimento Direto/AFP

Um anúncio feito pelo diretor do Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF, na sigla em inglês) Kirill Dmitriev na manhã desta segunda-feira (19) trouxe uma nova perspectiva sobre a fabricação da vacina Sputnik V no Brasil e na América Latina. Além disso, levantou questionamentos com relação à transparência do governo russo no envio de informações ao Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná), parceiros na busca pela imunização contra a Covid-19.

Em entrevista coletiva com veículos de comunicação da América Latina, Dmitriev disse que o registro da Sputnik V, que está em fase 3 de ensaios clínicos no Instituto Gamaleya (Moscou), deverá ocorrer até dezembro na Brasil. Ainda de acordo com ele, a fabricação do medicamento deverá ter início em janeiro de 2021, em parceria com a farmacêutica União Química, multinacional que tem sete unidades fabris no País e que oficializou um acordo de cooperação com os russos há um mês para produzir a vacina por aqui.

Detalhes até então sigilosos, como o total de doses a serem produzidas, também foram repassados pelo diretor. O RDIF disse ter recebido encomendas que chegam a 1,2 bilhão de doses e que pretende entregá-las até o final de 2021. Destas, 230 milhões teriam a América Latina como destino. Já para a produção local de doses da Sputnik V, a Rússia ainda pretende fechar acordos com a Argentina, Uruguai, Peru e México.

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| Foto: Fundo Russo de Investimento Direto/AFP

Embora sejam perspectivas otimistas, as afirmações causam certa perplexidade quando comparadas com as que já haviam sido repassadas pelo presidente do Tecpar, Jorge Callado, principal fonte de informações sobre a Sputnik V no Paraná. Em uma de suas raras manifestações sobre os bastidores da parceria firmada em agosto, Callado estimou que a produção da vacina em larga escala no estado ocorreria apenas no segundo semestre de 2021.

As tratativas entre o governo do Paraná e os russos para o compartilhamento de informações em busca da descoberta da vacina foram oficializadas em 12 de agosto, dia seguinte ao presidente russo Vladimir Putin anunciar o registro da Sputnik V. À época, o anúncio foi tomado por dúvidas da comunidade científica internacional e, em território paranaense, até o dias de hoje não se sabe quantas doses o estado tem capacidade de produzir. O Paraná também é sede de parte dos estudos que estão sendo feitos com a CoronaVac, vacina do laboratório chinês Sinovac Biotec, em parceria com o Instituto Butantã, de São Paulo.

Nesta segunda-feira, a FOLHA voltou a solicitar informações ao Tecpar. Em nota, o Instituto reafirmou que os estudos em colaboração com o Fundo de Investimento Direto da Rússia atravessam a fase 3 de ensaios clínicos. E que a elaboração de um protocolo de validação é um processo “complexo que envolve tratativas técnicas, traduções e estudos sobre os dados que serão utilizados para a finalização do documento”, disse.

Segundo apurou a reportagem, o Tecpar teve que solicitar novos dados ao Instituto Gamaleya, bem como a tradução de documentos, o que causou certa lentidão no avanço dos estudos durante a primeira semana de outubro. Para poder submeter o pedido oficial de realização de testes à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Instituto disse aguardar "definições" do Fundo de Investimento Direto da Rússia relacionadas à "dominialidade do registro", informou.

Procurada pela FOLHA, a União Química confirmou a previsão de realizar os testes piloto com a Sputnik V no Brasil até dezembro na unidade fabril de biotecnologia Bthek, em Brasília. Em nota, a farmacêutica disse que reitera seu compromisso com a saúde do Brasil e do mundo “para contribuir e apoiar o desenvolvimento e produção de mais uma opção de vacina contra a Covid-19" antes de destacar que detalhes técnicos e científicos não poderiam ser compartilhados por conta de acordos de confidencialidade.

POLARIZAÇÃO CHEGA À OBRIGATORIEDADE DA VACINAÇÃO

Os anúncios feitos nesta segunda-feira também retomam no espectro político uma disputa de narrativas que vem ganhando corpo a partir de declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), sobre a legalidade de o estado tornar a vacinação obrigatória. Doria já havia afirmado que a vacinação contra a Covid-19 seria obrigatória em todo o território paulista enquanto Bolsonaro diz que a vacinação deve ser voluntária em todo o País.

Na manhã desta segunda, Bolsonaro voltou a disparar contra Dória, seu desafeto postulado à Presidência em 2022. Apoiadores do presidente o ouviram dizer que um governador está se “autointitulando médico do Brasil”, disparou na saída do Palácio da Alvorada.

Após as afirmações feitas Kirill Dmitriev na manhã desta segunda, o governo de São Paulo deixou de estipular o dia 15 de dezembro para o início da vacinação. Em setembro, Doria havia apostado no sucesso da CoronaVac, que se mostrou segura em testes iniciais, mas ainda necessita de "comprovação de sua eficácia", ponderou o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas. Assim como com relação à Sputnik V, não havia indícios de que os estudos da CoronaVac estavam próximos de serem enviados à Anvisa.

Enquanto publicação de revista científica The Lancet sobre os resultados das fases 1 e 2 com a Sputnik já haviam demonstrado que a vacina é segura, o Butantan ainda aguarda o resultado de testes em 61 profissionais de saúde voluntários que já foram vacinados com a CoronaVac.

No Paraná, os resultados da CoronaVac estão sendo analisados em 1.400 profissionais da saúde no Complexo Hospital de Clínicas na UFPR (Universidade Federal do Paraná), uma das 12 instituições do País responsáveis por testes. De acordo com a instituição, apenas reações que já são frequentemente observadas em outras vacinas foram constatadas, tais como dores de cabeça e dor no local da aplicação. Já os resultados da Fase 3 obtidos com a Sputnik e publicados na The Lancet mostraram a vacina causou, também, hipotermia em 10% dos participantes.