Governo quer R$ 6 bilhões do Fundeb para bancar 'voucher-creche' no setor privado
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segunda-feira, 20 de julho de 2020
BERNARDO CARAM E DANIELLE BRANT
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Jair Bolsonaro quer deslocar recursos da ampliação do Fundeb (fundo para a educação), que financia o sistema público de ensino, para bancar um voucher-creche. O ministro Paulo Guedes (Economia) quer R$ 6 bilhões ao ano para esses pagamentos, que seriam usados pelos beneficiários na rede privada.
Pelo plano do Ministério da Economia, um auxílio de R$ 250 seria pago como adicional a beneficiários do novo Bolsa Família, batizado de Renda Brasil. O programa social reformulado ainda não foi oficialmente apresentado pelo governo.
Texto sobre o Fundeb que está pronto para votação na Câmara amplia a complementação adicional da União ao fundo de 10% para 20%. Em contraproposta entregue aos parlamentares, o governo tenta repartir esse aumento com o Renda Brasil. O Fundeb seria ampliado para 15% de maneira gradativa, e os 5% restantes iriam para o novo programa social.
De acordo com o governo, esse recurso não seria livremente usado no pagamento de benefícios assistenciais. Haveria uma espécie de carimbo para que a verba seja direcionada especificamente para o pagamento do voucher-creche. Com esse recurso em mãos, o beneficiário poderia procurar uma creche particular para matricular o filho.
Os 5% de recursos que seriam deslocados para o Renda Brasil representam um montante de aproximadamente R$ 8 bilhões ao ano. Estimativas do Ministério da Economia apresentadas à reportagem apontam que seria possível atender 2 milhões de crianças com uma verba anual de R$ 6 bilhões.
O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, afirma que a ideia apresentada pelo governo não desvia a finalidade dos recursos da educação e prioriza a formação na primeira infância.
"Nós podemos dar um voucher-creche da ordem de R$ 250 por mês, e nós eliminaríamos todo déficit de creche para essas crianças, com fortíssimo impacto no atendimento a essas famílias com crianças na faixa de 0 a 3 anos, que demandam creche e não são atendidas hoje", disse à reportagem.
O secretário apresentou dados do censo da educação básica que serão levados aos parlamentares para a negociação do texto. Segundo ele, o déficit de creches para famílias com renda mensal de até meio salário mínimo está pouco acima de 2 milhões de vagas.
No fim de semana, parlamentares criticaram a mudança de destino do dinheiro.
"A proposta da professora Dorinha é inalterável", disse o presidente da comissão especial da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Fundeb, deputado Bacelar (Podemos-BA). "Quem quiser colocar a digital contra a educação do filho de um trabalhador, contra a remuneração digna para os professores brasileiros, que coloque", afirmou.
A proposta do governo também altera a forma de distribuição de recursos do Fundeb, priorizando municípios mais pobres, e limita o aumento de gastos com salários de professores e funcionários da rede pública de ensino. Além disso, estipula o início da ampliação dos repasses federais apenas para 2022.
Esta não é a primeira inciativa do ministro Paulo Guedes para fortalecer a rede privada de ensino no país.
Proposta apresentada no fim do ano passado pelo governo desobriga o poder público de expandir sua rede de escolas em regiões com carência de vagas para alunos. O texto segue no Congresso e ainda não foi aprovado.
Hoje, a Constituição diz que o governo é obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede de ensino quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública em uma localidade. Se a proposta de Guedes for aprovada, esse trecho será excluído da Constituição.
Quando apresentou a proposta, o Ministério da Economia afirmou que o acesso à educação não seria precarizado, pois a ideia é permitir que os alunos acessem o ensino privado por meio de bolsas de estudo bancadas pelo governo. A medida dependeria de futura regulamentação via projeto de lei.
A equipe de Guedes sustenta que, em muitos casos, o governo gastaria menos ao pagar bolsas para instituições privadas do que se optasse por construir e manter novas escolas públicas.
Como o governo seguiria bancando a educação nesses casos, o argumento usado pela pasta é que o investimento público na área não seria reduzido e a eficiência do atendimento à população seria ampliada.