Governo dribla cobrança e prioriza comissão amiga sobre Pantanal no Congresso (1)
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sábado, 17 de outubro de 2020
DANIELLE BRANT E RENATO MACHADO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A queimada no Pantanal é a mesma, o objetivo de evitar novas devastações parecido, mas as comissões no Congresso que monitoram os incêndios no bioma parecem tratar de realidades distintas.
De um lado, desempenhando o papel do "policial bonzinho", está a comissão temporária externa do Senado criada para acompanhar as ações de enfrentamento aos incêndios no Pantanal. Formada basicamente por ruralistas, o objetivo parece ser menos identificar os culpados pelas queimadas no bioma e mais isentar o agronegócio de responsabilidade pelo fogo.
Foi nessa comissão que os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura) defenderam a polêmica ideia do "boi bombeiro" -em resumo, quanto mais gado em um local, maior o consumo de capim e menor a quantidade de massa orgânica para propagar o fogo.
Em setembro, houve aumento de 180% no número de queimadas na região do Pantanal, em comparação com o mesmo período do ano passado. É o mês com o maior número de ocorrências da história: 8.106.
A área atingida no ano chega a quase 40 mil km², o que corresponde a 26,5% de todo o bioma.
Durante a hora e meia em que esteve na reunião do colegiado do Senado na última terça-feira (13), Salles ouviu que deveria premiar fazendeiros que "procuram não fazer o desmatamento criminoso" -senador Nelsinho Trad (PSD-MS), relator da comissão- e que o Ibama "multa muito" -senadora Simone Tebet (MDB-MS).
"Ele multa muitas vezes o agronegócio, aquele que produz, aquele que põe comida barata na mesa do brasileiro, e muitas vezes deixa passar a manada de elefante", disse a senadora, citando como exemplo o crime organizado, madeireiros ilegais, grileiros e mineradores que invadem áreas indígenas.
"Eu não quero mais viver num tempo como vivi há 30 anos, em que nós do agronegócio éramos vistos como vilões, porque não somos."
Também recebeu apoio do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), suplente do colegiado, que afirmou que, "em nenhum momento, nem o ministro Ricardo Salles, muito menos o presidente Bolsonaro, tomou uma iniciativa de incentivar qualquer tipo de crime ambiental".
O acorde dissonante veio do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que acusou Salles de operar "um verdadeiro desmonte na área ambiental".
O relator da comissão, senador Nelsinho Trad, busca desvincular os trabalhos das questões ideológicas e da influência da bancada ruralista nos trabalhos. "A comissão, com os oitos senadores que fazem parte, tem um viés muito técnico, ela está deixando de lado essa questão da politização porque a situação lá [no Pantanal] é muito grave", disse à Folha.
"Não quero misturar aí essa questão ruralista com meio ambiente. O Pantanal é de todos, é de quem lá produz, de quem lá preserva, é uma dádiva da natureza que Deus colocou lá no nosso estado [Mato Grosso do Sul] e que a gente tem de saber aproveitar", afirmou.
Na Casa vizinha, a comissão externa sobre queimadas em biomas brasileiros tem uma visão bem distinta sobre as responsabilidades pelas queimadas.
A composição do colegiado ajuda a explicar a diferença de opinião: saem de cena ruralistas, entra a oposição. Dos 22 membros, só dois formalmente não são de partidos contrários ao governo de Jair Bolsonaro: Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) e Dr. Leonardo (Solidariedade-MT).
Os demais pertencem a PV, PSOL, PDT, PSB e PT -incluindo a presidente do colegiado, professora Rosa Neide (PT-MT). Segundo ela, o vice-presidente, Hamilton Mourão, que comanda o Conselho da Amazônia, foi convidado a participar de reunião do grupo e estaria tentando conciliar sua agenda.
Salles também foi convidado a prestar esclarecimentos. "Se até a próxima semana ele [ministro] não responder, vamos pedir a convocação. Já há assinaturas para convocá-lo a se explicar no plenário da Câmara", afirmou Rosa Neide.
"O ministro teme cobranças de responsabilidade. Nossa comissão vai cobrar. Ele deverá vir e será cobrado por isso. Ele tem responsabilidade pública e alguém tem de responder pelos incêndios que estão ocorrendo no Pantanal", disse.
Ao contrário do convite, que pode ser ignorado, faltar sem justificativa a uma convocação da Câmara ou do Senado é crime de responsabilidade de ministros.
Procurado, por meio da assessoria de imprensa do ministério, Salles afirmou que "com certeza" pretende participar de audiência na Câmara, sem fornecer mais detalhes.
Na ausência de Salles, outros técnicos e dirigentes do ministério acabam escalados para dar explicações, como o secretário-executivo Eduardo Lunardelli Novaes, que se tornou alvo dos parlamentares da oposição.
"Eduardo Lunardelli Novaes é de uma tradicional família de zebuzeiros, é um produtor rural no MMA. O delegado da Polícia Federal falou a esta comissão que os incêndios são de natureza criminosa, de fazendeiros que, eventualmente, desmataram parte de suas reservas, e o senhor fala aqui apenas de aspectos climáticos [como causadores das queimadas]?", questionou Paulo Teixeira (PT-SP).
Na comissão da Câmara, como deveria se esperar, também não faltam falas acusatórias ou irônicas em referência à fala de Salles, de que iria "passar a boiada" nas normas ambientais.
O líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), defende uma atuação mais incisiva do colegiado. "Nós temos procurado fazer uma comissão que cumpra seu dever de fiscalização e controle, e isso impede que ela seja uma comissão chapa-branca", afirmou.
"É uma comissão que tem de ser firme, rigorosa. Não dá para fazer uma comissão e ficar passando pano para incompetências do governo. Não é uma comissão para ficar batendo palma para o governo com o Pantanal ardendo em chamas."