Governo diz que Estados poderão ter mais de um piso salarial
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 28 de março de 2000
Por Carmen Kozak
Brasília, 29 (AE) - O ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, disse hoje que os governadores terão autonomia para criar mais de um piso salarial dentro do Estado, levando em conta as diferenças econômicas regionais e das categorias profissionais. "Quando o projeto do governo fala em piso estadual, está sendo dada ampla liberdade para os governadores fixarem pisos por região ou por categoria. Nada impede que um estado tenha mais de um piso", afirmou Dornelles, na Comissão de Trabalho da Câmara, que está analisando o projeto de lei, proposto pelo governo, que transfere para os estado a competência de fixar pisos estaduais superiores ao salário mínimo de R$ 151.
Ou seja, se o projeto do piso estadual for aprovado pelo Congresso, nada impedirá que um governador crie, por exemplo, um piso para a capital, outro, para as cidades de médio porte; e um terceiro, para as regiões mais pobres. "Não estou dizendo que o governador deva fixar vários pisos, só estou dizendo que não há impedimento para que ele encontre uma solução que atenda às realidades de seu Estado". Os pisos estaduais diferenciados por região ou categoria, explicou, se aplicariam a todos os trabalhadores que não tenham piso salarial fixado por acordo coletivo de trabalho ou lei federal.
Setores do governo avaliam que essa interpretação poderá abrir um canal de negociação com os governadores. Os contrates econômicos de cada Estado têm sido o principal argumento deles contra a proposta do governo que estabelece os pisos estaduais.
A interpretação de Dornelles sobre a possibilidade de mais de um piso para cada Estado surpreendeu os líderes governistas e interlocutores do presidente Fernando Henrique Cardoso. Mesmo assim, consideraram oportuna, por ser um trunfo favorável para desarmar os ânimos dos governadores. "Se pisos regionais diferenciados em cada estado são permitidos, a questão é de criatividade de cada governador. Isso mostra que a proposta não é impositiva, mas elástica", avaliou um influente parlamentar governista.
O ministro Francisco Dornelles disse que os pisos estaduais
mesmo que diferenciados, só se aplicam aos trabalhadores regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Não valem para o trabalhador que tem piso salarial fixado por acordo coletivo de trabalho ou por lei federal. Explicou que a existência de pisos diferenciados por categoria é prevista na Constituição Federal e, portanto, aplica-se aos Estados.
O inciso V do artigo 7º assegura aos trabalhadores "piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho". Um conselheiro jurídico do governo entende que a partir deste preceito os governadores poderiam fixar pisos regionalizados por categoria.
Outra brecha de negociação aberta hoje por Dornelles diz respeito à parte da proposta do governo que proíbe que o piso estadual seja reajustado em um ano eleitoral. Os parlamentares da Comissão de Trabalho argumentaram que os maiores prejudicados com essa proibição seriam os próprios trabalhadores. "A idéia é impedir que sejam causados prejuízos aos cofres do estado, mas podemos encontrar uma solução intermediária como a fixação do piso que vigorará no ano de uma eleição um ano ou seis meses antes do pleito", sugeriu o ministro.
Garoto-Propaganda - Preocupado em preservar o projeto de lei complementar que transfere para os Estados a competência de fixar um piso estadual superior ao mínimo de R$ 151, o governo escalou o ministro Francisco Dornelles para ser o defensor público da proposta. O Palácio do Planalto avalia que a questão não está bem explicada. Por isso, Dornelles intensificará a maratona de entrevistas aos veículos de comunicação, principalmente às emissoras de rádio.
Pretende-se que, a partir de amanhã (30), o ministro ocupe espaço nos principais programas de rádio para defender a proposta do governo.
Hoje, foi gravada uma entrevista para a "Voz do Brasil", programa produzido pela Radiobrás. "Repetir, repetir e repetir. Essa é a estratégia e não dá para ser outra", conta um auxiliar do presidente Fernando Henrique. "O governo federal não pode correr o risco de perder essa guerra porque não soube se explicar. O Dornelles tem que falar para o interior", justifica outro interlocutor.
A ofensiva de rádio em favor do projeto do mínimo estadual começou a ser decidida na segunda-feira. Na primeira reunião de avaliação, o núcleo de articulação política do Planalto identificou os pontos vulneráveis da discussão do mínimo de R$ 151. Além dos problemas com o PFL de Antônio Carlos Magalhães, os colaboradores de Fernando Henrique concluíram que era necessário frear a reação dos governadores ao projeto que transfere para eles a competência de fixar um piso estadual superior aos R$ 151.
Desde a quinta-feira passada, quando o novo mínimo foi anunciado, o ministro do Trabalho tem se empenhado em ocupar todos os espaços possíveis nos meios de comunicação. Com paciência, define um interlocutor do presidente, Dornelles repete os argumentos em favor da delegação aos estados. Depois de analisar as principais entrevistas, os estrategistas do governo concluíram que o ministro tem o perfil técnico-político adequado para tratar do assunto.