SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sem conseguir que todos os alunos da rede estadual de São Paulo tenham acesso às aulas online, a Secretaria de Educação determinou que os professores têm até o fim desta semana para avaliar e dar notas para suas turmas para concluir o primeiro bimestre letivo de 2020.

Além dos estudantes que não conseguem acessar as atividades, há também aqueles que não conseguem devolvê-las para correção. Por isso, os professores relataram não saber como atribuir notas de forma adequada e justa, considerando as dificuldades enfrentadas durante a pandemia do coronavírus.

A orientação da secretaria é de que "nenhum aluno deve ser prejudicado por não conseguir acessar as aulas online", mas que as notas devem ser lançadas no sistema digital da pasta até o fim do mês de maio. A determinação levou a diferentes interpretações pelas diretorias de ensino --algumas comunicaram que os professores deveriam deixar os alunos sem nota e outras, com a nota zerada.

A secretaria não informou quantos dos 3,5 milhões de alunos da rede estadual acessaram o aplicativo disponibilizado há um mês para as aulas. O último dado informado pela pasta era de que apenas 1,6 milhão (47% do total) tinha acessado duas semanas após o lançamento.

A determinação de continuidade da avaliação vai na direção oposta de outros sistemas educacionais, como o da Itália, Espanha e Nova York, que decidiram não atribuir avaliar os alunos durante as aulas a distância. Questionada sobre o objetivo de exigir o estabelecimento de notas neste período, a secretaria não respondeu.

Para quem acompanha de perto o andamento das atividades a distância, a determinação não auxilia no desenvolvimento dos alunos. Professor de História de uma escola estadual em Santo André, Raphael da Silva, 29, diz que, dos 200 alunos para os quais dá aula neste ano, menos de 20% realizou as tarefas que enviou.

"Não faz sentido pedagógico avaliar a minoria da turma, ainda mais por saber que mesmo esses poucos não conseguiram acompanhar todas as atividades, acessar todas as aulas", disse.

Silva dá aula para turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e disse que os alunos estão com dificuldade de realizar as tarefas, mesmo que sejam simples. Ele deu como exemplo as diferentes respostas que recebeu ao pedir que fizessem um texto sobre a pandemia.

"Teve aluno que entregou um trabalho com capa e 30 linhas escritas. Outros me mandaram duas frases porque tiveram de escrever pelo celular. Como eu faço uma avaliação justa desses estudantes que estão na mesma sala?"

Na escola em que dá aula, a direção encaminhou um documento aos docentes para que deixem com nota zero aqueles que não tiveram "condição de participar em nada". Segundo o documento, quando as aulas presenciais retornarem, esses estudantes terão reforço e atividades para verificar a aprendizagem durante o 1º bimestre letivo.

Em nota, a secretaria disse que a "redação do texto [do documento da escola] pode ter sido equivocada ao citar o zero", já que o sistema automaticamente indicará a possibilidade de deixar os estudantes sem nota.

A secretaria informou que há "diferentes instrumentos de avaliação" para a que os professores possam atribuir notas aos alunos, como a realização de roteiros de atividades, projetos, pesquisas, avaliação da aprendizagem em processo, observação da participação e engajamento e autoavaliação.

Professora de História e Filosofia em uma escola no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, Luana Soares, 36, contou dar aula para 12 turmas de ensino médio, totalizando mais de 400 alunos. Desses, 249 acessaram o aplicativo disponibilizado pela secretaria, mas apenas 170 fizeram e entregaram atividades para correção.

"São tantas nuances dentro de uma mesma sala nessa situação, que se torna improdutivo tentar fazer qualquer avaliação. Eu não vou punir nenhum aluno com nota baixa porque não tenho como saber porque ele não entrou no aplicativo ou não fez a tarefa ou fez de forma mais simples", disse.

Sobre a recomendação da secretaria para que os professores avaliem "a aprendizagem em processo", ou seja a comparação do quanto o aluno evoluiu desde a suspensão das atividades presenciais, Luana lembrou que as aulas foram interrompidas um mês após o início do ano.

"A gente ainda não tinha conhecido bem os alunos, não sabia as dificuldades pedagógicas de cada um porque nenhuma avaliação tinha sido feita", afirmou.

O receio dos professores é de que a avaliação pode desestimular ainda mais os alunos neste momento. "O aluno que está se desdobrando para fazer alguma tarefa pode se sentir injustiçado por ser avaliado, sabendo que outros colegas não vão ter nota agora. E aquele que não conseguiu acessar nada pode não querer voltar por medo de não acompanhar", disse Luana.

Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, disse não ver como necessário estabelecer nota aos alunos, já que a secretaria garante no retorno às aulas presenciais fazer uma avaliação de todos os alunos e montar um plano de recuperação e reforço.

"Não vejo finalidade na obrigatoriedade de dar nota nesse momento em que os instrumentos de avaliação são tão frágeis. Além de que sinalizar, que pode haver qualquer prejuízo na vida escolar do aluno, aumenta a chance de abandono escolar. Tudo o que não queremos nesse momento."

Para Maria Márcia Malavasi, especialista em avaliação educacional pela Unicamp, a obrigatoriedade para estabelecer notas é contraditória ao que a secretaria afirma de garantir que não haverá prejuízo a nenhum aluno. Para ela, o professor avalia continuamente seus estudantes sem que precise lançar uma nota no sistema.

"É uma burocracia, é a necessidade de controlar o trabalho do professor já que para muitos o trabalho em sala de aula só é conclusivo quando há uma nota", disse.

Para a especialista, além do risco de desmotivar alunos que possam receber notas baixas nas atividades que fizeram em casa, a determinação coloca pressão nos docentes. "O professor não foi formado para trabalhar nesse modelo, não teve preparação e se vê ainda mais sozinho ao ter que avaliar os alunos dessa forma. Se eu me visse numa situação de obrigação como essa, daria 10 para todos os estudantes."