Gore tenta criar imagem descontraída, apesar das raízes tradicionalistas18/Mar, 13:24 Por MONICA YANAKIEV, enviada especial da AE CARTHAGE, EUA, 18 (AE) - Do alto de uma colina, à beira da autoestrada 70, Pauline Gore vigia cada movimento de seu único filho, Al. Aos 87 anos, ela vive sozinha numa fazenda nos arredores de Carthage - uma cidade de 4 mil habitantes, no conservador Estado do Tennessee -, onde a lei seca vigora até hoje e algumas famílias produzem uísque ilegalmente, como nos velhos tempos. Viúva há mais de um ano e com a saúde debilitada, Pauline mal sai de casa. "Al telefona para a mãe quase todos os dias e vem visitá-la todos os meses", contou à Agência Estado, Jerry Futrell, amigo da família há 37 anos. "Ele tem uma fazenda de 50 hectares aqui e, apesar de viver em Washington e ser um homem importante, quando vem aqui é o mesmo pequeno Al que conhecemos: dedicado e competitivo, mas também relaxado e com muito senso de humor." Mostrar aos eleitores americanos dos outros 49 Estados que ele é tão humano e espontâneo como dizem seus amigos do Tennessee, tem sido o maior desafio para o vice-presidente Al Gore, de 52 anos. "Hoje em dia, é importante ser um bom comunicador para ganhar uma eleição", diz Raul Martínez, que pertence ao mesmo Partido Democrata de Gore e apóia a sua candidatura. Experiência em comunicação é o que Martínez mais tem: é prefeito há 18 anos de Hialeah, uma cidade de 215 mil habitantes na Flórida, apesar de o Estado ser um reduto do Partido Republicano. "Sobre Gore, o que posso dizer? Ele é o melhor candidato, mas não sabe dançar macarena." Para a maioria dos americanos, Gore é o que os brasileiros chamam de "mauricinho". Seus assessores, como Alejandro Cabrera, tentam mostrar o "outro lado" do vice-presidente. Contam que quando viajava com a imprensa, gostava de "surfar": subia numa bandeja e deslizava pelo corredor do avião. Mas, em terra firme, a imagem de Gore é outra. Cabelo penteado, ele mantém sempre a postura ereta, mal virando o pescoço. E quase nunca varia seu guarda-roupa: uma tradicional camisa branca, gravatas sóbrias e terno escuro. "Sou da velha escola do Tennessee, e aqui achamos que quem quer ser presidente deve vestir-se como um homem de sucesso e ter um ar presidencial", explica Futrell. "Nosso Estado fica no chamado Cinturão da Bíblia (a parte mais conservadora dos EUA), mas entendo que outros Estados possam achar isso careta", acrescenta. É verdade que Gore nem sempre foi tão certinho. Nos anos 60 e 70, fumou maconha. Mas logo se redimiu, confessando seus pecados de juventude, sem meias-verdades. Não cometeu o mesmo erro do presidente Bill Clinton, que disse ter fumado, mas nem tanto, porque nunca tragou. E assegura que nunca violou uma lei dos EUA (simplesmente porque experimentou a droga em outro país, a Grã-Bretanha). Como o pai, o senador Albert Arnold Gore, Al criticou duramente o envolvimento dos EUA no Vietnã. Mas em agosto de 1969 - o mês em que milhares de jovens se juntaram no festival de Woodstock, para ouvir música, protestar contra o establishment e pregar paz e amor - ele se despediu de Tipper (na época sua namorada) e partiu para a guerra como jornalista do Exército. Decepcionado com a política e os políticos, Gore voltou do Vietnã decidido a jamais seguir a carreira do pai. Mudou-se para Nashville, onde trabalhou como repórter do jornal Tennessean e conserva amigos até hoje. A carreira de jornalista durou apenas até 1976, quando acabou seguindo a carreira traçada por seus pais: lançou sua candidatura a deputado pelo Partido Democrata, com a intenção de ser um dia presidente dos EUA. Durante seus 18 anos no Congresso, primeiro como deputado e depois como senador, Gore sofreu apenas uma derrota política: lançou sua candidatura para presidente da república, em 1988, quando tinha 39 anos, e perdeu. Em 1993, chegou à Casa Branca como vice de Clinton. Nos últimos sete anos, ele desempenhou um papel mais participativo que seus antecessores no cargo. Mas, quando lançou novamente sua candidatura à presidência, descobriu que suas qualidades de escoteiro não bastavam para conquistar o voto feminino, essencial para a vitória. As mulheres preferiam seu rival do Partido Republicano, outro sulista que, como ele, vem de uma conhecida família de políticos: o governador do Texas, George W. Bush. "Gore é dessas pessoas que cantam com a maior naturalidade no chuveiro, mas não conseguem fazer o mesmo num palco", explica Futrell. É essa imagem que ele agora quer mudar. Para isso conta com a ajuda de quatro mulheres: Tipper, a filha mais velha, Karenna, a feminista Naomi Wolf, e sua chefe de campanha, Donna Brazile. Foi a sorridente Tipper - psicóloga, baterista, fotografa e defensora dos sem-teto e das vítimas de doenças mentais - que insistiu com o marido sobre a necessidade de "relaxar". E foi Karenna, de 26 anos, que modernizou a página do pai na Internet e seu guarda-roupa. Há poucos meses, Gore - que nasceu em Washington e liderava sua campanha da capital - mudou o centro de suas operações políticas para um prédio velho e feio, em Nashville. Quis mostrar que voltava às suas raízes. Não era mais o vice-presidente distante, mas o político ambicioso do sul. Contratada inicialmente por US$ 15 mil mensais, Wolf dedica-se a transformar a imagem de Gore de dócil vice-presidente para a de dominante futuro líder dos americanos. Mas é Brazile - que além de mulher é negra, e representa portanto duas importantes minorias - a chefe desse novo estilo de campanha, mais agressivo. "Vamos montar uma máquina de combate, agressiva e impiedosa", disse Brazile ao Estado. Sentada no seu pequeno escritório em Nashville, diante de um vaso cheio de rosas, ela estava ainda festejando a vitória das prévias da terça-feira, que consagraram Gore como candidato do Partido Democrata. A candidatura só será oficializada em agosto, mas Brazile já lançou a campanha nacional. E seu alvo agora é Bush. Ambos Gore e Bush têm o mesmo objetivo: apontar, para os eleitores, as menores falhas do adversário e conquistar o voto dos independentes - cerca de 25% do eleitorado. E Gore tem defeitos que já estão sendo devidamente explorados por seu rival. Talvez o pior deles - para quem esteve ao lado de Clinton durante o escândalo sexual que quase interrompeu seu segundo mandato - seja mentir. Primeiro, ele disse numa entrevista à CNN que, quando estava no Congresso tomou "a iniciativa de criar a Internet". Todos reconhecem que ele patrocinou leis facilitando o desenvolvimento e a exploração da tecnologia de comunicação, fundamentais para dar ao cidadão comum livre acesso à rede mundial. Mas isso não faz dele o "inventor" da Internet. Numa conversa com outro jornalista, ele disse que Erich Segal se inspirou nele para criar Oliver Barrett, do filme Love Story. O personagem, admitiu Segal, tem um pouco de Gore, mas também tem um pouco de um colega seu de universidade, Tommy Lee Jones. Este ano, uma nova biografia do vice-presidente revelou mais uma mentirinha: John Warnecke - que trabalhou com Gore no jornal Tennessean - diz que ele fumou maconha até 1988. E Gore reitera que parou de usar drogas antes de iniciar sua carreira política. Todos esses são pecados menores, ao lado de um escândalo que está sendo investigado até hoje: o financiamento da campanha para a reeleição de Clinton e Gore, em 1996. Naquele ano, Gore visitou o templo budista Hsi Lai. Logo depois, os nomes de alguns monges apareceram na lista de contribuintes - algo suspeito, uma vez que todos tinham feito voto de pobreza e não teriam dinheiro para distribuir aos candidatos. Gore diz que não sabia que o evento (organizado por assessores) era para arrecadar dinheiro. Mas o senador John McCain - que há duas semanas tinha chance de ser o candidato do Partido Republicano nas eleições de novembro - sempre mencionava o templo budista em seu discurso. "O vice-presidente pediu aos monges que abrissem mão do voto de pobreza e financiassem sua campanha, e depois disse que não sabia onde estava", dizia McCain. "Eu acho que, ao ver aquelas pessoas vestidas com longas túnicas laranjas e cheirar incenso, ele poderia pelo menos suspeitar que estava num tempo budista." Agora que a candidatura de McCain foi descartada, é a vez de Bush falar do templo budista. Mas Gore acaba de adotar uma nova estratégia: numa entrevista a The New York Times, ele admitiu ter cometido erros no passado e prometeu redimir-se. Tornou-se o maior advogado de uma reforma do sistema de financiamento das campanhas eleitorais americanas.