Gestão Doria exclui de programa de câmeras as unidades mais letais da PM
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segunda-feira, 20 de julho de 2020
ROGÉRIO PAGNAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A gestão João Doria (PSDB) deve anunciar nesta semana a expansão do programa de câmeras acopladas no fardamento de policiais militares para registrar, em áudio e vídeo, as intervenções das equipes pelo estado. A ampliação ocorre, porém, com cerca de um ano de atraso da previsão inicial e não deve incluir nenhuma das unidades conhecidas pela alta letalidade em suas ações.
Os dois novos batalhões que devem passar a atuar com as câmeras, o 11º e o 13º, na região central da capital, não estão, por exemplo, no ranking das 24 unidades principais com maior índice de mortes decorrentes de intervenção policial de 2019, encabeçado pela Rota (com 104 mortes).
No ano passado, foram registradas no estado 845 mortes de civis em confronto com policiais, sendo 716 delas como policiais em serviço e as outras 129, de folga.
Neste ano, segundo dados do governo paulista, foram mortas 442 pessoas em decorrência de intervenção policial no estado, entre janeiro a maio, o que representa um crescimento de 26,6% ao registro no mesmo período do ano passado, com 349 vítimas.
Embora a utilização das câmeras não tenha como objetivo único a fiscalização da tropa, o uso do equipamento deve ajudar a inibir eventuais abusos.
Um dos indicativos que isso pode ocorrer são os números obtidos pela PM na unidade utilizada como laboratório do programa de câmeras, o 37º batalhão, na zona sul da capital. O número de mortes decorrentes de intervenção policial no batalhão caiu para menos da metade de 2018 para 2019.
Segundo dados da Ouvidoria da Polícia, o número de mortes em confrontos passou de dez, em 2018, para apenas quatro no ano passado. Em 2020, até agora, foram duas mortes durante confrontos -mesmo com a PM registrando aumento recorde em outras regiões.
Procurada, a Secretaria da Segurança não explicou o motivo da escolha dos novos batalhões.
No início do ano passado, quando o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem da implantação do programa, a previsão era a implantação em seis unidades --quatro delas, na capital, as demais em Santos e Sorocaba-- escolhidas em razão do alto índice de reclamações contra ações da tropa e, ainda, pela grande quantidade de casos de violência doméstica.
Nessa lista estava o 18º batalhão, na Freguesia do Ó, zona norte, famoso pelas suspeitas de violência envolvendo seus policiais, entre elas o assassinato do coronel José Hermínio Rodrigues, comandante da unidade, no início de 2008. As demais regiões são Mooca (zona leste), Capão Redondo e Heliópolis (ambas na zona sul).
As equipes do 37º batalhão continuarão com o programa e deverão apoiar as equipes das outras unidades. Ao todo, cerca de 2.000 policiais dessas três unidades compartilharão o uso de 500 equipamentos.
De acordo com a PM, a previsão é equipar todo o efetivo até 2023, com um total de 15 mil câmeras. O efetivo da PM é estimado em 84 mil homens e mulheres.
Além da fiscalização da tropa, o uso de câmeras também dever auxiliar na produção de provas já que todas ações de interesse policial serão gravadas, armazenadas e posteriormente utilizadas, quando houver necessidade.
Nos últimos meses, gravações clandestinas têm revelado ações violenta por parte de policiais, como o caso de uma mulher que teve o pescoço pisado por um PM.
Serão gravadas as abordagens de suspeitos, transporte de pessoas nas viaturas e atendimentos que necessitam da elaboração de um boletim de ocorrência. Isso também inclui as perseguições de pessoas e eventuais confrontos.
A PM também prevê que os registros das câmeras deverão ajudar nos processos envolvendo violência doméstica. As vítimas poderão solicitar ao juiz do caso cópia da unidade policial da região para encaminhando do material.
De acordo com a corporação, as imagens deverão ser cedidas com autorização judicial e, por isso, haverá um sistema de segurança nos equipamentos para evitar vazamentos dessas imagens.
Para Benedito Mariano, ex-ouvidor da Polícia e responsável pelo ranking da letalidade policial, o governador Doria deveria investir nesse programa porque é uma medida importante. "Além de estar atrasada, já deveria ter colocado em 100% dos policiais militares em atividade de rua, eles começam com os batalhões de menor letalidade policia", disse ele.
Ainda segundo o ex-ouvidor, o fato de o governo não querer centralizar na Corregedoria da PM as investigações relacionadas a mortes em decorrência de intervenção policial é um sinal da falta de ações mais enérgicas na área. "Não tem vontade política de diminuir a letalidade policial. O chamado retreinamento sem medidas concretas é pura demagogia."