São Paulo - O paleontólogo Victor Beccari sentiu como se tivesse ganhado na loteria em 2016 quando recebeu em suas mãos um fóssil de pterossauro da espécie Tupandactylus navigans. Não se tratava de um objeto qualquer. Era um fóssil que, três anos antes, quase tinha sido contrabandeado para o exterior e que, mais importante, mantinha uma preservação excepcional, a ponto de ser considerado um dos exemplares mais bem preservados de que se tem notícia.

Para Beccari, foi uma chance de ouro para estudar como objeto de pesquisa de iniciação científica, já que o fóssil incluía até tecidos moles do animal. Ele é formado por seis placas de pedra que, juntas, incluem crânio e esqueleto do bicho quase totalmente completos, com algumas poucas partes quebradas.

O pterossauro em questão viveu há cerca de 112 milhões de anos, no período do Cretáceo, na região onde é hoje a bacia do Araripe, no Nordeste, entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí.

Assim como outros pterossauros da família Tapejaridae, sua principal característica é a presença de uma crista cefálica (na cabeça) formada por um osso trabecular (poroso) na base e uma espécie de membrana de tecido mole - possivelmente colágeno, mas os pesquisadores ainda não conseguiram definir a sua composição - na parte de cima.

A descrição do novo achado saiu na edição desta quarta-feira (25) da prestigiosa revista científica PLoS One, uma das mais importantes para a área de biologia.

Com uma envergadura de asa que podia chegar a 3 m e uma altura dos pés ao topo da crista de aproximadamente 1 m, o Tupandactylus navigans era uma espécie que se alimentava principalmente de frutos e sementes que colhia no chão ou em árvores mais baixas, acreditam os cientistas. O voo provavelmente não era uma de suas atividades mais rotineiras.

"A crista na cabeça é muito desenvolvida, ela é bem grande, o que traz vários custos para o animal, uma vez que pode prejudicar o voo, então acreditamos ser mais plausível que ela fosse usada como display para atrair indivíduos do sexo oposto, mais ou menos como é a cauda do pavão", explica Beccari.

Fruto da colaboração entre cinco instituições de pesquisa, incluindo a Universidade de São Paulo, onde Beccari fez sua graduação em ciências biológicas, a UFABC (Universidade Federal do ABC), de São Paulo, e a Unipampa (Universidade Federal do Pampa), do Rio Grande do Sul, a publicação do artigo representa o começo de uma nova fase de investigação dessa e de outras espécies do pterossauro, mas também o fim de um processo que levou anos devido à procedência do material.

O fóssil foi apreendido pela Polícia Federal em 2013 dentre cerca de 3.000 exemplares de rochas semipreciosas e fósseis que seriam contrabandeados para o exterior. Após a apreensão, o material foi enviado para o Instituto de Geociências da USP onde passou por um processo de catalogação e inclusão na coleção de paleontologia. Somente em 2016 ficou disponível para estudo, quando Beccari teve a possibilidade de começar a trabalhar com o material.

Esqueletos completos, como é o caso do Tupandactylus navigans, possuem um valor de mercado muito alto em leilões fora do país, e é provável que esse fosse ser o destino do pterossauro brasileiro.

O primeiro fóssil da espécie foi descrito por pesquisadores alemães em 2003 e está atualmente em uma coleção fora do país. "O problema é que não tínhamos sequer como saber para onde ia o material, poderia ir para uma coleção particular, e aí ele não ficaria disponível para a comunidade científica", diz Beccari.

Para Fabiana Costa, professora de paleontologia da UFABC e uma das autoras do estudo, o material impressiona por ser um esqueleto articulado e com um alto nível de preservação, algo extremamente raro e informativo. "Felizmente o espécime não 'voou' para fora, literalmente, mas faltou muito pouco para perdermos este e outros tantos materiais que foram apreendidos na operação da PF no Porto de Santos", diz.

Para o paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, curador da coleção de paleontologia do Instituto de Geociências e também autor do estudo da PLoS, as apreensões mais recentes da PF de fósseis que seriam contrabandeados só mostra um interesse maior sobre a paleontologia brasileira, e pode ser um passo a mais para a consolidação de uma cultura paleontológica na população, o que seria algo a ser valorizado.

"Muito material é levado [para fora], mas tem causado cada vez mais incômodo principalmente porque os paleontólogos brasileiros começaram a se pronunciar e denunciar, levando inclusive à retirada de artigos científicos publicados com fósseis contrabandeados [como o dinossauro Ubirajara jubatus]. Esse bicho só poderia nascer para a ciência assim, agora nascido vamos ver o que os paleontólogos brasileiros serão capazes de tirar desse e de outros exemplares, e eu acredito que muito", diz.