SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em mais um capítulo do azedume entre a indústria de defesa nacional e o governo de Jair Bolsonaro, causou contrariedade no setor a decisão do governo Jair Bolsonaro de zerar, a partir de janeiro, a alíquota de 20% de importação de revólveres e pistolas.

O mal-estar foi ainda maior porque na véspera (8) empresários e entidades da área de defesa e segurança fizeram um encontro virtual o ministro André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) em que o tema não foi colocado.

"A decisão surpreende a indústria, na medida em que não preserva empregos, não atrai investimentos para instalação local de fábricas", afirmou, em nota, o Simde (Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa).

Segundo a entidade, as empresas nacionais seguirão pagando mais impostos e sendo levadas a produzir no exterior, quando têm escala produtiva e capacidade financeira para tanto.

A maior crítica individual, como não poderia deixar de ser, veio da Taurus/CBC, líder do mercado nacional e uma das maiores produtoras de armas leves e munição do mundo.

"Lamentavelmente essa medida irá acelerar o processo de priorização de investimentos nas fábricas nos EUA e na Índia, em detrimento aos investimentos que iriam gerar mais empregos e riqueza no Brasil", afirmou Sergio Castilho Sgrillo Filho, diretor de relações com investidores, financeiro e administrativo da empresa.

A Taurus até apontou o paradoxo, lembrando que tem fábricas no exterior (Geórgia e uma futura unidade indiana) capazes de vender para o mercado brasileiro aproveitando a medida —e ressaltou que nada muda na aplicação de outros impostos, com ICMS, IPI e PIS/Cofins. No produto brasileiro, tributação responde por 73% do preço.

O mercado nacional responde apenas por 15% das vendas da Taurus, justamente por ter margens menores do que o de exportação. Só nos EUA, a carteira da empresa é de 1,1 milhão de pedidos, ou oito meses de vendas no Brasil.

No começo da tarde, as ações da empresa estavam em baixa de 4,7%, após fechar na terça (8) em alta de 5,7%.

Questionado, o Ministério da Economia não divulgou o impacto da redução da alíquota. "Estima-se que a medida reduza os preços domésticos ao consumidor final e amplie o acesso a novas tecnologias", disse, em nota.

Bolsonaro e seus filhos fazem campanha pelo que chamam de abertura do mercado de armas no Brasil desde antes da disputa eleitoral que levou o chefe do clã à Presidência.

O argumento central da família, notória por sua ligação com forças policiais e promoção de causas do setor, é que o produto importado seria de melhor qualidade do que o nacional.

A ideia acompanha as políticas de Bolsonaro em favor do armamento da população, que vão no sentido contrário das recomendações de entidades de monitoramento de violência urbana. Na infame reunião ministerial de 22 de abril, o presidente disse: "Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado!".

O fato de a Taurus/CBC ser uma das quatro maiores do mercado de pistolas americano e principal fornecedora de munição para armas leves da Otan (aliança militar ocidental) depõe contra a teoria, ainda que haja casos notórios de problemas de qualidade de produtos da empresa no passado.

Seja como for, conforme o jornal Folha de S.Paulo revelou em junho, o filho presidencial Eduardo é promotor das armas de empresas como a americana SIG Sauer, que ele promove em vídeos e postagens nas redes sociais.

A empresa negocia uma parceria com a fábrica de fuzis do Exército, a Imbel.

Além disso, causou preocupação a notícia de que a PF e Polícia Rodoviária Federal iriam estabelecer equipes para fazer compras internacionais, à margem da Lei de Licitações.

Há outros passos dados pelo governo, como por exemplo a retirada do monopólio de testes de produtos controlados de defesa do Exército, enquanto não há laboratórios privados certificados para tanto no país.

Isso acabou dando vantagem aos estrangeiros, que receberam ao mesmo tempo uma moratória de fornecimento de produtos sem testes no Brasil por dois anos.

Pontualmente, a indústria também se queixa dos processos de licitação do governo. A Polícia Federal, por exemplo, está com duas concorrências em curso para a aquisição de lanchas no valor de R$ 327 milhões.

Conforme a Folha de S.Paulo mostrou na semana passada, um requisito na prática excluía fabricantes de barcos nacionais. A PF negou haver qualquer tipo de restrição ou de favorecimento, mas não explicou o óbice técnico presente no edital.

A Abimde (Associação Brasileira de Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança) se queixa, e pede que o fomento à indústria nacional do setor, previsto numa lei de 2012, seja executado na prática.