FHC prepara, agora, o bolsa-saúde
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sábado, 24 de fevereiro de 2001
Sílvia Faria Agência Estado De Brasília
Na linha dos grandes projetos sociais com que o presidente Fernando Henrique Cardoso quer marcar seus últimos dois anos de mandato, o governo prepara-se para lançar, ainda neste semestre, um novo programa de grande impacto político, sob o comando do ministro da Saúde, José Serra. Sob a alcunha de bolsa-saúde, o projeto de combate à mortalidade infantil terá como público-alvo gestantes, nutrizes e crianças de 0 a 6 anos de idade, de baixa renda. Mediante o atendimento de exigências médicas e nutricionais, registradas em cartões de acompanhamento nos postos de saúde e hospitais, a família receberá uma ajuda financeira do governo federal.
Os valores relativos ao investimento global e à ajuda que cada família receberá dependem ainda da disponibilidade de recursos orçamentários a serem alocados para o programa. O mecanismo será semelhante ao do bem-sucedido programa educacional Bolsa-Escola, em que a família recebe ajuda financeira para manter os filhos de 7 a 14 anos na escola. O objetivo do bolsa-saúde é reduzir rapidamente o elevado índice nacional de mortalidade infantil, que em 1999 registrou 34,5 mortes a cada mil crianças de até 1 ano de idade.
A proposta desse programa é identificar gestantes, nutrizes e crianças entre as famílias carentes, em todo o País. O atendimento de saúde começará já na fase de gestação, em que a mulher será acompanhada mensalmente por agentes de saúde. O acompanhamento se estenderá a ela e ao bebê na fase de aleitamento, com ações preventivas como alimentação, higiene, vacinação, etc. A fase posterior, de acompanhamento da criança, verificará a vacinação, o controle de verminoses e a qualidade nutricional.
O governo parte do pressuposto de que, nessa fase, a falta de condições de higiene, saúde e nutrição comprometem a capacidade de aprendizado das crianças, tornando mais elevado o custo de recuperá-la mais tarde.
O Ministério da Saúde terá ainda, como retarguarda dessa ação específica voltada para a primeira infância, investimentos para melhorar as condições sanitárias das comunidades carentes. Assim estará combatendo causas ambientais que contribuem fortemente para o aumento da mortalidade infantil. Os elevados investimentos, da ordem de R$ 1,5 bilhão no biênio 2001-2002 no saneamento básico em pequenos municípios mais pobres serão totalmente transferidos para os cuidados do ministério de José Serra.
A Secretaria de Segurança Institucional, sob o comando do general Alberto Cardoso, conduzirá outro programa já testado em fase piloto na periferia do Distrito Federal, no ano passado. Trata-se de um conjunto de ações preventivas das causas da criminalidade, que formarão o plano de prevenção à violência. Inicialmente, serão contempladas as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio, Vitória e Recife.
A proposta desse programa é prevenir a violência e não propriamente reprimi-la (prevista em outro plano, de segurança pública, sob os cuidados do Ministério da Justiça). As ações serão dirigidas aos chamados bolsões de violência (onde o pobre é a maior vítima da violência, que começa dentro de casa) e não de pobreza, como explica o secretário de Acompanhamento e Estudos Institucionais, comandante José Alberto Cunha Couto.
A novidade desse programa é a coordenação de várias ações previstas em outros programas de governo federal, como o bolsa-escola, saúde da família, qualificação profissional, saneamento, de forma dirigida para as regiões-alvo. Não precisamos de novos programas, mas integrar o conjunto disponível de instrumentos para atender a essas comunidades, explica Cunha Couto.
Dos programas sociais do governo federal, esse foi o que mais avançou na parceria com o Judiciário. Cunha Couto contou que juízes farão trabalho voluntário junto às comunidades carentes, ministrando cursos de orientação jurídica, formando conciliadores populares e instalando juizados especiais nas áreas cíveis e criminais. O objetivo é reduzir o sentimento de insegurança do cidadão, causado pela percepção de ausência do Estado. É esse sentimento que gera a violência, observa o secretário.
Serão integrados 47 programas federais, com apoio de Estados, municípios e o chamado terceiro setor (entidades civis), para atuar na prevenção da violência. Cada R$ 1,00 investido em prevenção equivale a R$ 7,00 gastos na repressão da violência, disse Cunha Couto, citando estatísticas internacionais.
Os dois últimos anos de mandato de Fernando Henrique serão caracterizados pelo maior gasto com programas sociais da história do País. De acordo com o assessor especial da Presidência, Vilmar Faria, a previsão de investimentos em cerca de 30 programas nas áreas de educação, saúde, reforma agrária, saneamento, qualificação profissional, atendimento a idosos e deficientes, entre outros, é de R$ 25 bilhões.
Acrescendo os dispêndios com as aposentadorias, assistência social, saneamento e habitação, reforma agrária, etc., o orçamento social saltará de R$ 133,6 bilhões em 2000, para R$ 151 bilhões neste ano, lembra Faria. Isso significa um incremento de R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões no orçamento social deste ano, comemora ele. A expansão do gasto foi possível, porque o ajuste fiscal foi feito antes, acrescenta. Não se trata de uma virada, mas de uma consolidação dos esforços que o governo vem fazendo desde 1994, com o lançamento do Plano Real, diz o professor.
Ele lembra que desde o lançamento do plano de estabilização foi dito que o ajuste da economia não era um fim em si mesmo, mas a base para o desenvolvimento sustentado com justiça social. O governo vai apresentar melhorias quantitativas e qualitativas da política social, diz, em referência ao aumento de recursos e à nova forma de gerenciamento de projetos, que descentralizou o investimento.
Só de transferências de renda (recursos que o governo entrega diretamente à população carente) os gastos estão previstos em R$ 20 bilhões. Nessa relação entram as verbas de R$ 2,6 bilhões da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que paga um salário mínimo a idosos e deficientes carentes, R$ 1,7 bilhão do bolsa-escola, R$ 12,7 bilhões da aposentadoria rural, além do seguro-desemprego e da bolsa de qualificação profissional, do abono do PIS-Pasep e dos programas de erradicação do trabalho infantil e de renda mensal vitalícia.
A maior contradição apontada por Vilmar Faria é o subsídio de R$ 20 bilhões apenas com a aposentadoria dos funcionários públicos. Tudo o que gastamos nos programas de renda mínima equivale à garantia de renda máxima para uma categoria de privilegiados, critica ele, em defesa da cobrança urgente da contribuição previdenciária dos funcionários públicos inativos, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O projeto de emenda do Executivo encontra-se parado no Congresso, onde enfrenta forte oposição política. (Colaborou Demétrio Weber)