Brasília, 04 (AE) - O presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou hoje que não precisa usar de força para exercer a autoridade e que o povo sabe que o presidente exerce a autoridade cumprindo a lei e sem violência.
Em entrevista ao vivo concedia hoje à Rede Globo de Televisão, Fernando Henrique rebateu os críticos, que questionam o "temperamento ponderado e indeciso" dele e cobram decisões mais enérgicas, com frases fortes e irônicas. Em diferentes trechos da entrevista, Fernando Henrique indagou: "O que vocês querem?; que eu dê ordem unida ao Congresso?; que eu prenda, arrebente?; vocês querem o Pinochet aqui?; querem uma pessoa que venha aqui e imponha?", perguntou.
A referência ao ex-ditador chileno Augusto Pinochet foi feita quando o presidente respondia à pergunta sobre os baixos índices de popularidade. Segundo Fernando Henrique, na ditadura de Pinochet e durante o período da ditadura militar brasileira, os índices de crescimento eram altos e o Congresso aprovava todos os projetos de interesse do governo. "Eu não estou governando para a popularidade e nem para índices, estou governando para fazer o que o Brasil precisa, dentro da concepção democrática." O presidente lembrou que, "sem caudilhismo, sem imposições", durante todos os cinco anos do mandato, conseguiu aprovar 16 emendas constitucionais e várias leis "audaciosas" e importantes para o País. "É preciso que a gente se habitue à democracia e não pense que falou o presidente
o Congresso vota", disse. Para Fernando Henrique, os baixos índices de popularidade que vem enfrentando não estão relacionados a atritos com a base aliada ou ao temperamento conciliador e ponderado.
"Por que é que, nos outros anos, com essa base e com o meu temperamento, a popularidade era alta?", questionou. "Maior ou menor apoio depende do bolso, da perspectiva, da confiança." Sobre o fato de ser muito ponderado e, às vezes, até mesmo hesitar ao tomar decisões, Fernando Henrique afirmou ainda: "O Brasil já foi governado por gente não-ponderada e deram todos com os burros nágua porque isso não é uma questão de temperamento, é uma questão de entender o que é a democracia."
A referência à frase usada pelo ex-presidente do governo militar, general João Baptista de Oliveira Figueiredo - "Eu prendo e arrebento" - foi feita pelo presidente para responder à falta de reação do governo frente à manifestação dos militares da reserva em solidariedade ao ex-comandante da Aeronáutica, Walter Br„uer, demitido por quebra de hierarquia. Além de ressaltar que a demissão não resultou numa crise militar, Fernando Henrique afirmou que cabe à Câmara tomar uma atitude em relação ao deputado Jair Bolsonora (RJ) que, na opinião dele, "passou dos limites".
A entrevista foi concedida antes de o presidente embarcar para municípios da Região Sudeste, onde visitou áreas alagadas pelas chuvas e conversou com desabrigados. O presidente disse ainda que há sinais de crescimento econômico para este ano e negou que tenha falado que a era das reformas passou. Segundo Fernando Henrique, como a sociedade quer as reformas e o Congresso está contaminado por esta vontade popular, ele não precisará se empenhar tanto, como fez até agora, pela aprovação. Ponto-a-ponto Ponderado - "Ainda bem que sou ponderado. O Brasil já foi governado por gente não ponderada e deram todos com os burros nágua. Porque isso não é uma questão de temperamento, é uma questão de entender o que é a democracia." Crise Militar - "Fui obrigado a mudar o comandante da Aeronáutica. Um conjunto de oficiais, a imensa maioria da reserva, manifesta-se em solidariedade a ele, muito bem. E, no dia seguinte, o que aconteceu? Nada. Tudo calmo, as pessoas falaram, alguns foram absolutamente inconvenientes, há um deputado que, a meu ver, deveria ser...a Câmara tem de cuidar dele e deve cuidar porque ele passou dos limites. Os outros, são srs. respeitados, idosos, alguns tem passado complicado porque nunca foram democratas." Autoridade - "O que vocês querem que eu faça, que prenda, arrebente? Não, isso não é assim. O povo aprende que a autoridade do presidente se exerce porque o presidente cumpre a lei e é uma pessoa que não se excede, não faz violência. Esse prende e arrebenta, é coisa de regime autoritário, não é coisa de regime democrático. Agora, tem de ter pulso. Quando é necessário, muda, quem quer que seja, só isso. O resto é agitação e eu não gosto de agitação não. Acho que o Brasil precisa é de paz, tranquilidade, trabalho, seriedade, responsabilidade, ponderação." Base Aliada - "Nunca, no Brasil, durante tantos anos, houve uma base que votasse tão favorável ao governo, sem que haja violência. Sem que haja caudilhismo, sem que haja imposições. Nós passamos praticamente as leis mais difíceis. Pegue a Previdência. No mundo todo é muito difícil mexer na previdência. Fator previdenciário, nós aprovamos. Mesmo a contribuição dos inativos foi o tribunal que depois anulou, a base votou. Nós tivemos 16 emendas constitucionais, são muito difíceis, que requerem três quintos de apoio." Ordem unida - "O que é que vocês querem? Que eu dê ordem unida ao Congresso? Há uma falta de uma organização partidária no Brasil, mas isso é uma realidade histórica. Com isso tudo eu não tive nenhuma crise institucional. Acho que o único presidente que não teve crise institucional depois da redemocratização foi o Juscelino Kubitschek. Nós estamos fazendo muitas transformações no Brasil, num clima de respeito institucional, com uma base heterogênea, que muitas vezes vota naquilo que ela não acredita muito, mas que ela sintoniza com a sociedade porque o presidente está sintonizado, está levando adiante. O que vocês querem? É preciso que a gente se habitue à democracia e não pense que falou o presidente, o Congresso vota. Não, o Congresso tem sua liberdade, seu ponto de vista, sua opinião. Mas que nós estamos aprovando praticamente tudo, não tenha dúvida." Popularidade baixa - "Isso é muito simples. O ano passado foi muito difícil e não está ainda tão bem - com desemprego como é que vai bem? Como vai bem sem crescimento? Mas porque é que nos outros anos, com essa base e com o meu temperamento e tudo mais, a popularidade era alta? É por uma questão objetiva. Eu nunca me rebelo contra a opinião pública, quando a opinião pública tem razão, quando está embasada em dados. Não é por causa do Congresso, não é por causa de certas características minhas ou de quem quer que seja que existe um maior ou menor apoio. Maior ou menor apoio depende do bolso, da perspectiva, da confiança" Pinochet - "Eu não estou governando para a popularidade e nem para índices, estou governando para fazer o que o Brasil precisa
dentro da concepção democrática. Isso é importante frisar, é muito fácil: o Chile fez tudo, era o (general Augusto) Pinochet. Vocês querem o Pinochet aqui? Vocês querem uma pessoa que venha aqui e imponha? Eu já vivi em regime autoritário, saí do Brasil, fui exilado por regimes autoritários. O Brasil crescia - 7% - tinha tortura, tinha censura à imprensa, tinha uma base que votava tudo. Ora, vamos convir, nós queremos a democracia, o povo mais feliz, um povo que reclame. O presidente não tem constrangimento quando o povo reclama, prefere que não reclame, mas eu entendo. Para mim essa questão é muito importante, de levar esse grande país, com esse povo extraordinário, mas levar dentro dos moldes democrático." Dólar - "O Banco Central vai acompanhar no dia a dia o que está acontecendo. Não há nenhuma razão, sobretudo se houver saldo na balança comercial, para estarmos imaginando que o dólar vá subir mais ou menos. O importante é não haver muita flutuação. Se começar flutuar muito é que é ruim porque as expectativas não se organizam e as pessoas começam, logo vem os boateiros, o mundo moderno vive de boatos. Enquanto estivermos conseguindo uma certa tranquilidade, tanto na economia quanto na política, isso é que é importante. (O dólar) entre 1,75 e 1,85 para mim está ótimo, mas eu não sou economista." Crescimento da economia - "Ninguém tem bola de cristal em economia. O que eu posso dizer é que eu me jogo a fundo para conseguir as coisas. Esse ano passado foi bastante difícil, eu não desanimei, eu me joguei a fundo, nem o Brasil desanimou. Então eu acho agora que nós temos boas perspectivas, já estão aí os sinais. Em dezembro nós tivemos saldo na balança comercial, já houve retomada na indústria, o começo da retomada, já subiu o nível de emprego. Desemprego ainda não (melhorou), mas o número de empregos criados está aumentando e nós temos de ter energia, confiança, e muito trabalho organizado. Eu tenho muita confiança que 2000 vai ser um bom ano." Flexibilização das leis trabalhistas - "Em janeiro eu vou promulgar medidas com o ministro (do Trabalho, Francisco) Dornelles muito importantes. Por exemplo medida que diz respeito ao seguinte: o acordado através de medidas coletivas, com os sindicatos naturalmente presentes, deve prevalecer sobre o que for decidido, julgado. Isso é uma mudança muito grande em toda a legislação trabalhista brasileira." Reformas - "Eu não disse que a era das reformas passou. Eu disse que acreditava tanto nelas, que agora, em janeiro, a reforma tributária, a reforma do Judiciário - que são as reformas mais importantes - e o final da reforma previdenciária irão sem que haja necessidade de o presidente estar diretamente tão empenhado como estive sempre. Porque hoje a sociedade quer as reformas é que ela contaminou o Congresso. Um país como o nosso tem que ter reforma o tempo todo, aliás, no mundo moderno reforma é o cotidiano. Ninguém aceita mais o imobilismo, como estava antes. Muda tudo. A tecnologia muda a toda hora, a sociedade muda também." Parlamentarismo - "Meu partido, o PSDB, é parlamentarista. Eu votei pelo parlamentarismo, houve uma decisão popular contra o parlamentarismo e isso não pode ser esquecido. Para que nós possamos, mais tarde, imaginar um regime parlamentarista, tem que ter partido. Há medidas do Congresso, e eu as apóio, que fortalecem os partidos, que dão mais fidelidade àqueles que são membros de partido com respeito às suas legendas, que não permitem mais legendas de aluguel. Isso deve ser feito. Eu vou apoiar e acredito que o Congresso fará ainda este ano." Reinvidicações pelo crescimento - "É minha também a reivindicação. É que isso não depende da vontade do presidente. Se dependesse de mim eu faria assim : 7%, 10%. Já está começando a crescer, nós já crescemos. Se olharmos os dados de 82 a 92 houve uma paralisia grande, embora no Plano Cruzado tenha crescido também. Agora de 93 em diante, salvo o ano passado, houve crescimento. Por que não cresce mais depressa? Não cresce mais depressa porque nós tínhamos um certo constrangimento externo, quer dizer, não tínhamos recursos em moeda forte para fazer as importações e cada vez que você pisa no acelerador para crescer, precisa importar também, equipamentos, matéria-prima, etc...agora precisamos ter saldo na balança comercial, isso está sendo resolvido. segundo, taxa de juros. A taxa de juros é impeditivo de crescimento, ora a taxa de juros caiu consideravelmente. O juros que o governo paga que estiveram em 45% ao ano, estão em 19% ." Analfabetismo - "Os últimos dados do IBGE sobre educação são contundentes. Nós hoje temos muito menos analfabetos que nós tínhamos no passado e estamos acabando com o analfabetismo. É possível na próxima década acabar com o analfabetismo no Brasil, de uma vez por todas. Isso é que é importante. Nós temos que ter mais afinco em Ciência e tecnologia, porque isso é que vai garantir o crescimento permanente." Sucatão - "Eu não tenho medo não. Os que andam comigo sabem: eu fui talvez o último dos moicanos a defender o Sucatão. Porque é um avião estável. Ele tem alguns inconvenientes. É um avião antiquado, faz barulho, muito, a gente chega no local do destino com a cabeça zonza, mas isso é o de menos, porque ele faz barulho para a população onde passa. E não está autorizado a descer em alguns aeroportos. Por outro lado ele consome muito combustível, é um avião caro de manutenção de vôo. Houve realmente um acidente, eu falei com Maciel, ele me disse que viu fogo, eu acho que a Aeronáutica não é inconsequente e sabe quando a coisa é segura, eu não tenho medo nenhum, eu vou com tranquilidade, a decisão de trocar de avião diz respeito ao que eu mencionei, agora que avião vai comprar eu não sei nem quero saber, isso é uma decisão que a Aeronáutica vai tomar."