Pilotos e funcionários do setor aéreo comemoraram, neste domingo (26), os 79 anos do Aeroclube de Londrina. “Só não tirem foto de alguém segurando a hélice”, alertou com bom humor o piloto Clélio de Castro antes do registro para a reportagem. “Segurar a hélice significa mau agouro. Dizem que dá azar, que pode causar acidente”, explicou o comandante Ody Parreira. Na dúvida, ambos preferiram não se arriscar.

Quando o primeiro avião que viria para o Aeroclube caiu em uma fazenda de café na região Oeste da cidade, os fundadores lamentaram, mas não desistiram do sonho de dar início às atividades. O Aeroclube de Londrina foi criado em janeiro de 1941 pelos sócios Anísio Figueiredo, Miguel Blasi (então prefeito de Londrina), David Dequech, Ruy Ferraz de Carvalho, Vicente Cioffi, Newton Câmara, Luiz Estrela e Atanásio Belo.

Os aviões do aeroclube sobrevoaram todas as regiões de Londrina, líderes religiosos embarcaram nos voos para a benção aérea da cidade
Os aviões do aeroclube sobrevoaram todas as regiões de Londrina, líderes religiosos embarcaram nos voos para a benção aérea da cidade | Foto: Roberto Custódio

O início das atividades no município recebeu incentivos nacionais para acelerar a formação de novos pilotos durante a Segunda Guerra Mundial. “Assis Chateaubriand doou a primeira aeronave. Esse é um dos únicos aeroclubes que nunca fechou as portas durante esse tempo todo e até já foi o maior do Brasil em quantidade de voos. É patrimônio da cidade. Temos pilotos formados aqui que voam pelo mundo inteiro”, contou Castro que também ocupa o cargo de conselheiro fiscal do aeroclube.

Os chamados “Paulistinhas” eram feitos de madeira e tela. Para a realização dos primeiros voos solo, em que o aluno embarcava sem a ajuda de um instrutor, era necessário acrescentar sacos de areia para contrabalancear o peso da aeronave.

Os investimentos do governo federal no setor também se intensificaram no final da década de 1980. “Aviões de instrução fabricados na Argentina vinham em grande lote para o Brasil. Havia uma previsão de falta de aviadores e o governo começou a doar esses aviões para os aeroclubes. Eram cinco aeroclubes no Brasil. Fomos um dos primeiros a fazer os cursos para trazer esses aviões para Londrina. Esses já tinham estrutura de alumínio, asa de metal e fuselagem em tela”, lembrou o comandante Parreira.

Atualmente, nove aeronaves estão em operação. “O Aeroclube nasceu junto com a cidade. Ele cresceu junto com a aviação nacional e ajudou no desenvolvimento de Londrina. O nosso diferencial é que nós voamos em um aeroporto controlado desde as primeiras horas de voo. O aluno presencia as mesmas situações enfrentadas pelo comandante de uma linha aérea comercial", destacou o presidente Itauby Neto.

Além dos profissionais da aviação, a comunidade em geral também participou das atividades em comemoração aos 79 anos. Estar próximo aos aviões mexeu com a imaginação das crianças e resgatou a memória de muitos adultos. Alguns deles lembraram de uma cena marcante para quem passou a infância em Londrina: estar do lado de fora do aeroporto tentando ver uma das aeronaves na pista.

“Meu pai me trazia e me colocava em cima do capô do carro e a gente ficava ali tentando ver alguma coisa. Antigamente tinha que ver por cima do muro. Agora tem a cerca vazada perto do Tiro de Guerra. Está muito mais fácil”, comentou o engenheiro da computação Leonardo Sapia.

Edson Cruz e Karla Keiko foram ao Aeroclube com os filhos Cear, Tainara e Kalinca: as crianças nunca tinham estado tão perto dos aviões
Edson Cruz e Karla Keiko foram ao Aeroclube com os filhos Cear, Tainara e Kalinca: as crianças nunca tinham estado tão perto dos aviões | Foto: Roberto Custódio

“Esse avião aqui é muito legal. Tem os bancos, tem as asas. Eu gostei de tudo”, resumiu Cezar, 7, ao lado das irmãs Tainara e Kalinca. O trio, que foi ao Aeroclube com os pais Edson da Cruz e Karla Keiko, nunca esteve tão próximo aos aviões, chegou empolgado com tantos modelos estacionados nos fundos do Aeroclube.

Após um culto ecumênico, autoridades religiosas embarcaram nos voos para realizar a bênção aérea da cidade. Os aviões do aeroclube sobrevoaram todas as regiões de Londrina. As comemorações foram encerradas no final da tarde.

A emoção dos primeiros voos

Thais Mantovani, instrutora de voos no Aeroclube:"É um cenário muito masculino, mas isso está mudando aos poucos”
Thais Mantovani, instrutora de voos no Aeroclube:"É um cenário muito masculino, mas isso está mudando aos poucos” | Foto: Roberto Custódio

O tempo está bom aí? Será que não vai chover? São perguntas feitas com frequência pela mãe da piloto Thais Mantovani. “Até hoje ela não se acostumou com a ideia”, contou a ex-aluna do Aeroclube de Londrina. O pai, não menos preocupado, deu um jeito de acompanhar a voz da filha por meio do rádio amador.

A família, que mora em Mandaguari, viu a filha ter sonhos muito além da cidade no Norte do Paraná e apoiou a carreira. Mantovani cursou Ciências Aeronáuticas e ingressou no curso de pilotos do Aeroclube. O primeiro voo foi em um modelo Cessna 152. “Eu estava bem nervosa, consegui fazer tudo e não quebrei o avião, o que é muito importante”, sorriu.

A instrutora de ultraleve passou a ser instrutora de voos no Aeroclube em 2017 e hoje faz parte do grupo das poucas mulheres que conseguiu ingressar no setor. “Ainda existe um certo preconceito. É um cenário muito masculino, mas isso está mudando aos poucos”, afirmou. Segundo ela, em uma das maiores companhias aéreas do país, de um total de 2 mil pilotos, apenas 39 são mulheres.

O Aeroclube de Londrina oferece cursos para piloto privado, piloto comercial, instrutor de voo, comissário de bordo e voo por instrumentos. Em breve deve ter início as turmas para mecânica de aviões.

Ody Parreira, Itauby Neto e Clélio Castro: história do Aeroclube de Londrina, que começou em 1941, continua com a formação de pilotos para voos privados e comerciais
Ody Parreira, Itauby Neto e Clélio Castro: história do Aeroclube de Londrina, que começou em 1941, continua com a formação de pilotos para voos privados e comerciais | Foto: Roberto Custódio

O piloto Ody Parreira cresceu acompanhando as aeronaves que sobrevoavam a rua Pio XII, no centro de Londrina. Após se formar no Aeroclube, ele reviveu o início da carreira ao decolar pela primeira vez no comando de um jato comercial a partir do Aeroporto de Londrina, em 2000. O voo seguiu para o Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

“A hora que eu alinhei o avião na pista passou um filme pela minha cabeça. Vinte e tantos anos voando em Paulistinha, Seneca, tantos outros modelos... Vários aviões decolando daqui e, de repente, você está em um avião top da época. Já tinha voado na Vasp como copiloto, mas como piloto, saindo do Aeroporto de Londrina, foi uma emoção muito grande”, contou. Hoje, o comandante na companhia aérea Latam realiza voos internacionais em modelos Airbus 350 com capacidade para 339 passageiros.