Feminicídio cresce no Paraná em 2024
No ano, 142 mulheres perderam a vida e outras 195 foram vítimas de uma tentativa de assassinato
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 08 de janeiro de 2025
No ano, 142 mulheres perderam a vida e outras 195 foram vítimas de uma tentativa de assassinato
Jéssica Sabbadini - Especial para a FOLHA
O Paraná enfrentou um crescimento no número de mulheres e meninas mortas de maneira violenta e intencional entre 2023 e 2024. O aumento de 7,5% nos casos de feminicídio no estado pode apontar, segundo especialistas, tanto o crescimento da violência de gênero quanto o maior entendimento das autoridades em classificar crimes do tipo.
No Paraná, segundo dados do Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídio), o número de feminicídios cresceu entre 2023 e 2024. Foram 142 crimes do tipo consumados no ano passado; em 2023, foram 132.
Silvana Mariano, coordenadora do Lesfem, aponta que, até outubro, o feminicídio era considerado uma qualificadora do crime de homicídio. “O aumento observado no Paraná pode estar associado ao ganho, da parte dessas autoridades, de uma consciência sobre a violência de gênero, o que, diante da morte de uma mulher, resultaria em maior aplicação do protocolo para investigar, processar e punir com perspectiva de gênero”, explica.
As tentativas de feminicídio também cresceram, já que foram 62 casos em 2023, ante 195 em 2024, o que representa um aumento de 214%. Os dados, segundo Mariano, ainda são preliminares e passarão por revisões nos próximos dias.
A pesquisadora ressaltou a percepção de que os veículos de comunicação estão mais sensíveis a esse problema social, produzindo mais notícias sobre as ocorrências e acompanhando de perto todas as fases do processo, do indiciamento ao julgamento.
“O aumento dos registros no Paraná pode representar crescimento da violência contra meninas e mulheres, todavia, também pode ser redução da subnotificação. Quando as mulheres estão mais conscientes de seus direitos e confiam na credibilidade dos serviços, isso também contribuiu para o aumento dos números”, detalha.
Em Londrina, foram registrados sete feminicídios no ano, sendo quatro consumados e três tentados. Se comparado ao ano anterior, Londrina registrou uma redução nos feminicídios: em 2023, foram 12 casos, sendo sete consumados e cinco tentados.
A pesquisadora aponta que a queda tem relação com os casos de morte de mulheres em situações que podem envolver outros crimes, como o tráfico de drogas. “No ano passado, três casos nessas circunstâncias foram classificados por nós como feminicídios e, em 2024, ainda não classificamos nenhum porque não identificamos, pelas fontes noticiosas, indícios de menosprezo de gênero nas mortes violentas de mulheres em contextos associados a drogas”, esclarece.
“Existe a possibilidade de que houve menos violência feminicida contra meninas e mulheres, como também existe a possibilidade de que as autoridades competentes tenham reduzido o entendimento do risco de morte para as mulheres, como, por exemplo, nas classificações por mera lesão corporal”, ressalta.
CRIME DOLOROSO E CRUEL
Dos 142 feminicídios consumados em todo o Paraná em 2024, 19 foram registrados em janeiro. Silvana Mariano explica que os dados apontam que os períodos de festividade e de férias aumentam a violência contra as mulheres.
“Isso acontece porque ocorre uma intensificação do contato entre as pessoas e, muitas vezes, combinado com o uso de substâncias como álcool e outras drogas, lícitas ou ilícitas, predispõem mais os homens à violência”, afirma.
Ela reforça que o feminicídio é um tipo particular de perda porque a maior parte dessas mortes acontece no contexto doméstico e familiar, sendo que na grande maioria das vezes os familiares da vítima também convivem com o agressor.
“Isso tanto dá um sentido particularmente doloroso à perda por ser uma vida ceifada pelas mãos de alguém com quem se tinha vínculos afetivos, como também a lembrança do agressor assombra vários membros da família, especialmente as mulheres”, reforça.
VIDAS, NÃO NÚMEROS
O Lesfem deixa claro que as mortes não representam números, mas vidas perdidas para um crime evitável e que começa a partir da desigualdade de poder entre homens e mulheres. “Essas mortes continuam acontecendo porque nós, como sociedade e instituições, normalizamos a violência de gênero e objetificamos as mulheres. Quando afirmamos que não são números, mas sim vidas de mulheres, nós estamos nos colocando contra essa normalização e a objetificação. Queremos contribuir para a humanização de cada uma dessas mulheres. Quando todas compreendermos que cada uma de nós pode ser essa vítima, nós vamos tolerar menos violência”, pontua.
A coordenadora reforça a importância de promover a igualdade entre homens e mulheres nas mais diversas esferas e da transformação para que meninos e meninas sejam ensinados que são iguais em dignidade humana e em deveres e responsabilidades sociais.
“Em síntese, a longo prazo precisamos vencer o patriarcado. Em curto prazo, precisamos de políticas públicas e de equipamentos sociais que protejam as mulheres, sem qualquer forma de julgamento. Temos avançado relativamente bem no plano da punição, porém estamos fazendo muito pouco para a prevenção, bem como para a restituição dos direitos das mulheres e famílias que são atingidas pelo feminicídio”, finaliza.
QUEIMADAS, PERFURADAS E ASSASSINADAS
No dia 30 de dezembro de 2024, uma mulher de 25 anos teve o rosto desfigurado por um objeto cortante na Vila Brasil, no centro. O suspeito é o companheiro, de 30 anos, que tentou tirar a própria vida após o crime e foi encaminhado ao hospital. A reportagem tentou contato com a instituição, mas o estado de saúde do autor não foi divulgado.
Em nota, a PCPR (Polícia Civil do Paraná) disse que segue investigando a morte da mulher e que o investigado foi preso em flagrante e permanece detido. “Durante seu interrogatório inicial, optou por permanecer em silêncio”, complementa a nota. O homem deve responder pelos crimes de ocultação de cadáver e feminicídio.
PROGRAMA MULHER SEGURA
Por meio de nota, a Sesp (Secretaria da Segurança Pública do Paraná) afirmou que tem se empenhado em combater o feminicídio, definindo como “um crime intrinsecamente unido e gerado por questões culturais e que precisa ser enfrentado de forma específica”. Segundo a pasta, “não há como combatê-lo como se faz contra roubos ou organizações criminosas”.
“O combate efetivo se dá por meio da educação e conscientização, com o objetivo de transformar pensamentos e atitudes”, aponta. Para isso, a Sesp criou o Programa Mulher Segura, que visa combater a violência contra a mulher por meio de palestras de conscientização direcionadas a homens e mulheres.
A Sesp explicou que a iniciativa começou neste ano nas 20 cidades paranaenses com maior incidência de feminicídios. “O número de ocorrências caiu 38% nesses municípios, entre de abril (início do programa) e 30 de novembro de 2024, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Com a atuação integrada das forças de segurança, durante o período mencionado, foram realizadas 420 palestras, que impactaram mais de 51 mil homens e mulheres”, finaliza.