Saudades - É difícil começar um texto sobre o assassinato brutal de três crianças e duas professoras em Saudades (SC) sem falar da saudade que o riso fácil da Keli Adriane Aniecevski, 30, deixará e da falta de ver a Anna Bela, 1, correndo brincando de pique-pega pela casa ou da alegria de celebrar a primeira e única filha Sarah Luiza, 1.

O velório coletivo no ginásio esportivo da pequena cidade de 9 mil habitantes tentou não ignorar os protocolos para a Covid-19
O velório coletivo no ginásio esportivo da pequena cidade de 9 mil habitantes tentou não ignorar os protocolos para a Covid-19 | Foto: Willian Ricardo/iShoot/Folhapress

O velório coletivo na manhã desta quarta-feira (5) no ginásio esportivo da pequena cidade de 9 mil habitantes tentou não ignorar os protocolos para a Covid-19, embora o abraço e a aglomeração de centenas fossem inevitáveis em meio à dor e ao choque da violência onde até furtos são raros e os rostos são todos conhecidos, mesmo atrás das máscaras.

O ataque à Escola Municipal Infantil Pró-Infância Aquarela nesta quarta (4) vitimou também a agente educativa Mirla da Costa Renner e o pequeno Murilo Massing, 1. Deixou ferido ainda um menino de 1 ano e 8 meses —ele passou por cirurgia e está internado em estado grave, mas estava estável, na UTI (unidade de terapia intensiva).

A creche, que recebe crianças de 0 a 3 anos, tinha apenas metade dos alunos por causa pandemia, quando um homem de 18 anos entrou com duas facas e desferiu pelo menos cinco golpes de facão em cada uma das vítimas.

Ele tentou entrar em outras salas, mas professoras conseguiram se trancar e proteger as crianças. Após o ataque, o jovem golpeou o próprio corpo. Internado, passou por cirurgia e ficou sob custódia, preso em flagrante por quíntuplo homicídio.

Na missa, o bispo de Chapecó Dom Odelir verbalizou o que ecoava no ginásio: “A gente imagina que [esse tipo de ataque] é possível nos Estados Unidos, em São Paulo, mas aconteceu na nossa cidade”. “A gente se pergunta ‘o que dizer?’ Mas estamos aqui juntos tentando de algum modo ajudar essas famílias pra dizer ‘vocês não estão sozinhos’”, disse ele, que também lembrou das vítimas da Covid-19. “Assim como as famílias que aqui sofrem, no Brasil são 410 mil famílias que perderam seus entes queridos de forma antecipada.”

Passaram pela missa e pelo velório cerca de 1.000 pessoas, segundo a Polícia Militar. A música Aquarela, de Toquinho, foi cantada para homenagear os educadores. Num dos versos: “o futuro é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar. Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar”. Vários familiares passaram mal e foram atendidos por médicos no local.

O barulho da procissão de cerca de 300 metros até o Cemitério Municipal de Saudades era o silêncio. Vizinhos espreitavam a porta e faziam o sinal da cruz. Fez-se um coro do cântico “segura na mão de Deus” durante o enterro dos corpos realizado por volta do meio-dia.