Trinta e seis pessoas foram mortas por suposto confronto com a polícia em um período de dez meses no ano passado em Londrina. De 24 nomes enviados ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do MP (Ministério Público), para apuração dos processos, apenas dois estão na lista de ações denunciadas. Outros nove tiveram inquérito arquivado, 11 constam em apuração, um será investigado em outra esfera e outro não foi encontrado. Mais quatro nomes serão enviados para apuração, três deles morreram em 2020.

Imagem ilustrativa da imagem Familiares discutem mortes por supostos confrontos
| Foto: Arquivo Folha

Familiares discordam sobre a situação de confronto e querem que casos sejam investigados com mais transparência. Eles prestaram depoimentos em roda de conversa que debatia a letalidade dos agentes de segurança pública, realizada no último sábado (15), em Londrina.

O encontro organizado pelo MNDH-PR (Movimento Nacional dos Direitos Humanos) reuniu familiares de vítimas de confrontos policiais, promotor, advogada, jornalistas e foi aberto à comunidade. “Não é uma crítica aos policiais militares nem aos policiais de uma forma geral, a nossa crítica é de que o sistema é falho no sentido de que nós não temos pena de morte no Brasil e policiais não vão presos após matarem, também não ficam encarcerados e impedidos de que façam uma limpeza do local do crime”, comenta Carlos Santana, coordenador do MNDH em Londrina.

Santana e os familiares criticam a forma como são conduzidas as investigações dos agentes e a caracterização da morte como confronto, mesmo quando as circunstâncias não se adequam à classificação. “Meu filho estava em uma festa, estava sentado, não tinha arma no local onde ocorreu a chacina, ninguém atirou contra ninguém”, comenta Marco Antônio Modesto, pai de Mateus Modesto, 21, morto na chacina de 2016, em Londrina.

Naquela ocasião, 12 pessoas foram mortas e 14 feridas em menos de uma semana. Os crimes estariam relacionados à morte de um policial militar e, dos 17 inquéritos abertos para investigação, apenas um resultou em ação penal, com a denúncia de dois policiais por tentativa de homicídio. O recurso sobre a decisão de ir a júri popular está pendente no TJPR (Tribunal de Justiça do Paraná).

O marido de Jéssica Carvalho, Washington Ricardo de Souza, foi morto no dia 21 de junho do ano passado. Os familiares não acreditam que ele teria sacado uma arma quando foi abordado no veículo no Conjunto Antares (leste). “Alegaram que ele saiu com arma em punhos. Foram 14 tiros de fuzil, dois no peito, um no pescoço, no corpo inteiro”, conta. A viúva acionou o MP e quer que o caso seja apurado.

"NECROPOLITICA"

A advogada e doutoranda em Direitos Humanos e Democracia, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Emmanuella Denora, comentou na reunião que a questão é mais profunda e estrutural. Fundamentada no conceito de necropolítica, a acadêmica aponta estruturas sociais, incluindo o direito penal, e seus desdobramentos, como a segurança pública. “Quando a gente fala de políticas de segurança, não tem políticas de antecipação. Ninguém está evitando que os entes de vocês morram. Vocês vão ligar para a polícia para dizer que eles estão matando?”, critica.

Essa não é a primeira vez que familiares se unem para discutir a questão. Em novembro de 2019 eles organizaram uma passeata pedindo esclarecimento dos fatos. “Depois do ato, propus às famílias que a gente deveria procurar as autoridades para evidenciar o problema e transformar isso em um movimento, que ainda é incipiente, mas precisa crescer para que a gente possa construir na sociedade uma visão diferenciada do que é polícia e o que é cidadão”, discursa Carlos Santana.

Unidos, conseguiram levantar 24 nomes de vítimas que aguardam conclusão dos inquéritos e apresentaram ao coordenador do Gaeco, o procurador Leonir Batisti. “Houve uma reunião com o Centro de Direitos Humanos que expressou que as famílias não tinham informações sobre as apurações. Fizemos o levantamento e encaminhamos a resposta”, afirma Batisti.

Dos 24 nomes, apenas dois foram encaminhados para denúncia. Sobre o andamento dos processos, Batisti afirmou que quando ocorre o evento, o promotor da área recebe as informações para poder acompanhar os casos. Os familiares manifestaram que vão promover ação indenizatória contra o Estado.

SEM RETORNO

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Militar, em Curitiba, e aguardou durante quatro dias o retorno prometido dos questionamentos, mas não obteve respostas até o período da tarde desta quinta-feira.