A experiência em sala de aula e na coordenação do curso Prime em Londrina permitem que a professora de redação Márcia Chiréia afirme que a falta de repertório tem sido o maior problema nas redações do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Na atual edição, a média geral dos candidatos foi 522,8 pontos e apenas 55 do total de 4,1 milhão de redações corrigidas obtiveram a nota máxima. Já o número de participantes que zeraram a prova dissertativa foi de 112.559 (2,3%). Esse índice foi menor do que em 2017, quando houve 309.157 redações zeradas de um total de 4.725.330 participantes. Mas de qualquer forma, o número continua alto.

Para Chiréia, isso reflete o despreparo dos alunos no ensino médio associado à hiperestimulação das mídias sociais, o que traz prejuízos à concentração. "É tudo superficial. É a geração da manchete. E uma das competências do Enem, tanto na redação quanto nas questões objetivas, é relacionar conhecimentos. Os alunos não percebem, por exemplo, que algo da filosofia tinha relação com o tema da redação. Eles não têm argumentação sólida", pondera.

Essa inabilidade fica evidente pelo aumento do número de redações com cópia do texto motivador, que passou de 0,09% em 2017 para 0,36% neste ano. "Isso mostra que o aluno não sabia falar do tema. Além disso, a maioria se concentrou nas fake news, sem pensar que era um subtema. Por consequência, houve fuga do tema", diz.

Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável pela prova, os motivos das notas zero seriam as redações entregues em branco (1,12%), fuga do tema (0,77%) e cópia do texto motivador. Outro ponto que chamou a atenção da professora foi a melhora na média das questões de matemática e suas tecnologias, que chegou a 535,5.

"Foi positivo porque estas sempre foram notas baixas e acredito que isso levou as escolas a investirem neste conteúdo específico", reflete. Por outro lado, a média de ciências da natureza e suas tecnologias teve uma queda, registrando 493,8. "As questões envolviam conteúdos de física e química e nessas disciplinas há um problema em todo o País, que é a deficiência de professores com formação específica. Muitas dessas aulas vêm sendo dadas por professores de biologia. Além disso, são matérias que exigem raciocínio lógico e interpretação. Volto a dizer que os alunos estão habituados com um pensamento rápido e para pensar é preciso parar", sustenta.

Por fim, Chiréia sustenta que os números do Enem, especialmente no que se refere às notas máximas, não tendem a mudar significativamente nos próximos anos se não houver uma modificação no formato da redação. "Digo que a prova de redação do Enem é 'engessada'. Todos têm que fazer uma dissertação argumentativa com uma proposta de intervenção na conclusão. Dessa forma, os alunos não têm liberdade para escolher o formato de dissertação. Outra questão fundamental nas escolas é levar o aluno a pensar nas problemáticas sociais para que ele seja capaz de relacionar e refletir a vivência com aquilo que se aprende em sala de aula", conclui.