Com o uso do formulário de denúncias de violência, criado pela CNA, é possível colher dados e exigir soluções; produtores rurais também estão se unindo em grupos de whatsapp
Com o uso do formulário de denúncias de violência, criado pela CNA, é possível colher dados e exigir soluções; produtores rurais também estão se unindo em grupos de whatsapp | Foto: Fotos: Gustavo Carneiro


A falta de dados oficiais sobre a violência no campo levou a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) a criar o Observatório da Criminalidade no Campo. A entidade pretende traçar um diagnóstico e propor ações que combatam a criminalidade da zona rural. A primeira ação foi criar um formulário on-line para denúncias de crimes em propriedades rurais de todo o Brasil.

André Sanches, presidente do Instituto CNA, conta que, no início de 2017, a entidade encaminhou cartas endereçadas às secretarias de segurança pública de todas as unidades da federação solicitando dados sobre os casos relativos a crimes na zona rural. "Para nossa surpresa, não tivemos retorno de muitos Estados. Nos casos que recebemos uma reposta, percebemos que sequer separam as ocorrências da zona urbana da zona rural", revela.

A carência de um diagnóstico motivou a entidade a disponibilizar em seu site um formulário para denúncias anônimas. Além do tipo do crime, a ferramenta pede informações como o tamanho da propriedade, ramo de atividade, tecnologia empregada, distância até a sede do município. "São informações simples que permitem traçar um perfil da criminalidade por região", comenta.

No ar desde julho do ano passado, a plataforma começou a ganhar mais popularidade este ano. "Sabemos que os dados podem não refletir a realidade absoluta, porque não chegou a todo mundo, mas na falta de dados oficiais, precisamos ter algum medidor para expor o problema às autoridades e cobrar soluções".

Das denúncias registradas, praticamente metade (49%) se refere a furtos. O crime de roubo, quando há coação à vítima, é o segundo com mais registros, somando 33% do total. Cerca de 14% tem relação com depredações e, por fim, 3% são casos de assassinatos. "Aquele conceito do campo como um lugar bucólico e tranquilo não existe mais. Os criminosos se deram conta que as propriedades rurais, cada vez mais equipadas, estão extremamente vulneráveis", expõe.

O alvo preferido das quadrilhas são as fazendas de pecuária, com gado de corte e leite. "São propriedades equipadas com tecnologia avançada, com equipamentos de ponta, produtos veterinários de alto valor", explica. "Além disso, tem o furto do próprio gado, o crime de abigeato. Este geralmente é o tipo de propriedade que tem recebido vigilância particular", acrescenta. Entre as tecnologias empregadas estão câmeras e até sistema de monitoramento por satélite.

Outro produto visado pelos criminosos são os herbicidas e fungicidas usados em lavouras. "Um frasco de cinco litros de alguns desses produtos chega a custar R$ 5 mil. Cada vez mais esses galões tem sido guardados em verdadeiros cofres nas fazendas", revela. A orientação, no entanto, é para que o produtor evite fazer estoque. "O ideal é que o produtor faça a compra no dia em que for usar", aconselha.

Segundo Sanches, Minas Gerais, Bahia e Santa Catarina lideram as denúncias no formulário, porém o número de casos denunciados no Paraná também é representativo. "Há dois tipos de criminosos que agem no campo. O primeiro é aquele roubo de oportunidade, quando o ladrão leva uma TV, louças, celular. O outro, mais nocivo, é o especializado. Roubam produtos que não se vende em qualquer lugar. Esses representam até 70% dos casos", aponta.
O próximo passo da CNA será usar a força política para cobrar soluções efetivas para o problema no Congresso Federal. "Temos relatos de casos gravíssimos. O produtor está acuado e muitas vezes até deixa de ir à propriedade. Por isso precisamos mapear os casos ocorridos em todo o Brasil. Com essas informações, vamos debater com especialistas e autoridades de segurança pública e encaminhar propostas com ações efetivas", diz Sanches.
As denúncias podem ser feitas pelo endereço: www.cnabrasil.org.br/servicos-para-produtor/denuncie. Sanches garante que todas as informações repassadas tem o sigilo garantido. "Entendemos que a exposição do produtor rural geraria risco, então a identidade do denunciante será preservada", tranquiliza. Sanches lembra que todo crime deve também ser comunicado às autoridades. "O formulário não substitui o boletim de ocorrência", ressalta.

Propriedades próximas à cidade, como as da Estrada da Cegonha (na região de Londrina), tornaram-se mais vulneráveis; agora elas também vêm sendo monitoradas pela Guarda Municipal
Propriedades próximas à cidade, como as da Estrada da Cegonha (na região de Londrina), tornaram-se mais vulneráveis; agora elas também vêm sendo monitoradas pela Guarda Municipal



Propriedades próximas das cidades são mais visadas

O estudo da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) mostra que quanto mais perto das cidades, mais vulneráveis estão as propriedades. Em 37% dos casos, as vítimas estavam a menos de 20 quilômetros da sede do município. Em 65%, a menos de 50 quilômetros. "No Sul do País, 50 quilômetros pode parecer distante, mas em municípios da região Norte, é uma distância relativamente próxima", contextualiza André Sanches.

Este é o caso de moradores de chácaras da região da Rodovia Luís Beraldi, conhecida como Estrada da Cegonha, nos patrimônios Espírito Santo e Regina (zona sul de Londrina). Nos últimos anos, eles conviviam com uma rotina de dois a três furtos ou roubos por semana. A história ganhou novo rumo quando os sitiantes resolveram se unir e usar a tecnologia a favor deles. Em julho do ano passado, eles criaram um grupo no whatsapp para trocar informações. Qualquer movimentação suspeita é transmitida para os 130 membros do grupo, sitiantes da região.

Uma das administradoras do grupo, uma mulher de 30 anos, disse que o ato de "fazer a nossa parte" foi fundamental para a redução da criminalidade. "Antes era um horror. Os bandidos faziam o que queriam e não acontecia nada. Hoje é diferente. Todo mundo que passa por aqui está sob observação. Se algo errado acontece, a polícia é acionada no mesmo momento", conta.
O reforço do patrulhamento da Guarda Municipal também foi determinante para melhorar a sensação de segurança na região da Estrada da Cegonha. "A Guarda tem nos dado um apoio muito bom. A viatura sempre está passando por aqui", elogia. O secretário municipal de Defesa Social, Evaristo Kuceki, disse que quando assumiu a pasta, percebeu que a principal preocupação nos distritos era com a Segurança. "Estamos em processo de restruturação da Guarda. A intenção é intensificar cada vez mais o patrulhamento na zona rural em parceria com a Polícia Militar", diz. (C.F.)

Nos rincões, sitiantes se dizem abandonados

Nas regiões mais afastadas, onde manter um patrulhamento constante é mais difícil, a reclamação é maior. Produtores rurais dos distritos de Paiquerê, Irerê, Guaravera, São Luiz e de Lerroville - no extremo sul de Londrina, a quase 60 quilômetros da sede do município - expõem que se sentem "abandonados". Um deles conta que foi abordado por criminosos no trajeto entre a cidade e a fazenda. "Tentaram me pegar na estrada duas vezes. Eles colocam pedras e paus para fazer com que a gente pare. Minha sorte é que ando com uma caminhonete grande. Não parei", relata.
Outro proprietário conta que deixou o campo há 12 anos por medo da violência. "Comprei uma casa na cidade e venho pra cá todo dia. Minha vontade era morar aqui, mas não tenho coragem. Nem uma arma posso ter para me defender", reclama. Em Irerê, um grupo de produtores rurais resolveu contratar vigilância particular. "Chegou a um ponto que não tinha mais jeito. Todo dia era uma coisa roubada", conta. "Antes a gente tinha pelo menos dois policiais militares nos distritos. Hoje, nem isso temos mais. Precisamos da polícia mais próxima", cobra.
O presidente do Sindicato Rural Patronal de Londrina, Narciso Pissinati, lamenta que, pela pouca população, a zona rural fique em segundo plano nas ações de segurança pública. "Os crimes acontecem, em sua grande maioria, nas cidades. É compreensível que a polícia esteja mais atuante no ambiente urbano. O problema é que as ocorrências no campo dispararam nos últimos anos", expõe. A reportagem tentou contato com a assessoria de imprensa do 5º Batalhão da Polícia Militar, mas ninguém atendeu as ligações.(C.F.)