“A saúde do povo é a suprema lei”. Em poucas palavras, o ex-prefeito de Londrina Dalton Fonseca Paranaguá (1927-2014) conseguiu resumir o sentimento que norteou a atuação de médicos e agentes públicos que encabeçaram o movimento sanitarista brasileiro a partir de Londrina após o final da década de 1960. Anos mais tarde, em 1986, o trabalho de jovens idealistas surtiria efeitos na constituição do maior sistema de saúde pública do mundo, o SUS (Sistema Único de Saúde). Para trazer à tona o papel da UEL nesta etapa do processo, a Alumni (Associação de Ex-alunos da UEL) vai promover um evento on-line na noite desta quinta-feira (29). A live vai ser transmitida no canal do Youtube da Associação.

Embora as primeiras unidades básicas tenham funcionado em espaços cedidos pela Prefeitura, a gestão e o atendimento eram de responsabilidade do estado
Embora as primeiras unidades básicas tenham funcionado em espaços cedidos pela Prefeitura, a gestão e o atendimento eram de responsabilidade do estado | Foto: Gustavo Carneiro

Coordenador do Conselho Diretivo da Alumni-UEL, o médico sanitarista e ex-secretário de Saúde do Paraná e de Londrina, Gilberto Martin, lembrou que, ainda na década de 1970, a maioria da população de Londrina não possuía acesso à saúde. “Era um direito de quem podia pagar”, disse. À época, quem não tinha trabalho com carteira assinada e o acesso ao direito através do Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência), era atendido como indigente em um hospital filantrópico, lembrou.

Em meio a este contexto e sob o comando de Nelson Gavetti na presidência da Cohab (Companhia de Habitação), Londrina ainda buscava ampliar o acesso à água e ao saneamento básico, o que ocorreu pelas vilas Portuguesa e da Fraternidade. No ano seguinte ao primeiro do mandato de Paranaguá como prefeito, em 1970, nascia a primeira UBS (Unidade Básica de Saúde) do município, a da Vila Fraternidade. Com ela, veio também o intuito de desenvolver uma medicina que integrava prevenção com o atendimento primário, o que nortearia o trabalho realizado em outras unidades nos anos seguintes.

Embora as primeiras UBSs tenham funcionado em espaços cedidos pela Prefeitura, a gestão e o atendimento eram de responsabilidade do estado e foram feitos por médicos e demais profissionais ligados à UEL por muitos anos.

De acordo com Martin, um dos primeiros responsáveis pelo “desenho” deste modelo de atendimento foi o médico e ex-diretor do CCS (Centro de Ciências da Saúde), da UEL, Nelson Rodrigues dos Santos, um dos convidados do evento da noite desta quinta. “Quem atenderia nas unidades, se teria enfermeiro, assistente, um médico clínico-geral. Esse movimento nasceu dentro da UEL, no CCS”, disse.

Em 21 de novembro de 2018, “Nelsão” presenteou o Museu Histórico de Londrina com uma série de documentos datados desta época. Dentre eles, as páginas de um artigo publicado por ele em 1975, primeiro fruto de reconhecimento nacional sobre saúde coletiva, além de reportagens e o discurso do então presidente do DCE (Diretório Central dos Estudantes) em sua defesa após Santos ter sido preso no período da ditadura militar.

Outro documento colocado à disposição da história foi o texto da Conferência Alma-Ata, realizada em 1978 pela Organização das Nações Unidas, no Cazaquistão, e que contém uma radiografia mundial sobre a atenção básica. As ideias debatidas na Alma-Ata reverberaram no mundo inteiro e culminaram na criação da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, considerado o evento mais importante para a criação do SUS. “Queremos estabelecer essa ligação", apontou Martin.

Personagem que entra em cena na história de Londrina à frente da Secretaria Municipal de Saúde em 1976, o médico especialista em saúde coletiva, Márcio Almeida, também estará no debate. Para ele, a maior contribuição da UEL foi na promoção do atendimento “combinado”. “Promoção nem existia direito, questão dos hábitos alimentares, tabagismo, prevenção de acidentes de trabalho. As equipes faziam visitas, iam atrás das crianças que estavam atrasadas na vacinação. Chamávamos a população para discutir, os atendentes eram muito independentes do papel do médico e o trabalho em equipe também foi uma diferenciação”, lembrou.

Nos anos seguintes, Londrina ganhou outras 12 unidades. “Íamos improvisando, pegando imóveis, adaptando casas de madeira”, lembrou Almeida.

O trabalho deu resultado. Entre 1979 e a chegada do SUS, em 1988, Londrina conseguiu reduzir em 27,61% a mortalidade infantil para cada mil nascidos vivos e 42,24% na mortalidade proporcional de menores de um ano. Também foram eliminados os casos de tétano neonatal e tétano acidental. Casos de difteria deixaram de ser registrados em 1987 e a coqueluche apresentou seu último óbito na cidade em 1989. Além destas doenças, a cidade erradicou a poliomielite e reduziu drasticamente a mortalidade causada pela meningite decorrente de quadros de tuberculose não tratados corretamente.