A professora Bruna (nome fictício, já que a docente preferiu ter a identidade preservada) atua nos últimos anos do Ensino Fundamental e leciona para mais de 700 alunos. São 300 estudantes na rede pública, em que é contratada como PSS (Processo Seletivo Simplificado), e 400 na rede privada. Com isso, a docente precisa trabalhar todos os dias, inclusive aos finais de semana e feriados, para dar conta de planejar aulas, elaborar e corrigir atividades e avaliações.

O relatório da FCC, elaborado em parceria com a associação D³e (Dados para um Debate Democrático na educação) e o Itaú Social, propõe o número de 210 alunos por professor, levando em consideração os outros países estudados
O relatório da FCC, elaborado em parceria com a associação D³e (Dados para um Debate Democrático na educação) e o Itaú Social, propõe o número de 210 alunos por professor, levando em consideração os outros países estudados | Foto: iStock

A realidade de Bruna é a mesma de muitos professores brasileiros que, além de lecionar para muitas turmas, precisam se deslocar grandes distâncias e trabalhar em muitas escolas para cumprir sua carga horária.

A FCC (Fundação Carlos Chagas) realizou um estudo em que analisa o volume de trabalho de docentes nos anos finais do Ensino Fundamental (6° ao 9° ano). Foram feitos dez estudos de caso, com redes estaduais e municipais, e percebidos contextos muito diferentes no ensino brasileiro.

A pesquisadora Gabriela Miranda Moriconi, que participou do estudo, lembra que uma primeira edição buscou comparar as condições de trabalho de professores brasileiros com profissionais dos Estados Unidos, da França e do Japão.

“A gente identificou que no Brasil o volume de trabalho dos professores é maior do que nos outros países, considerando os dados médios. Vimos que 54% dos nossos professores atuam com mais de 200 alunos, que é algo que raramente acontece nos EUA ou no Japão, por exemplo”, explica.

Já a segunda edição foi feita a partir de dados do Censo da Educação Básica de 2019, documentos, normativas e entrevistas com integrantes das redes de ensino. “Partimos da constatação que há grandes diferenças nesse volume de trabalho de acordo com a rede. Há redes com média de 11 alunos por professor, e outras com média de 525.”

De acordo com Moriconi, os números do Censo mostram que o Paraná tem uma média de 237 alunos por professor nos anos finais do Ensino Fundamental. A situação é melhor que em outros estados, mas o número ainda é considerado alto. Em Roraima, por exemplo, a média é de 180.

O relatório da FCC, elaborado em parceria com a associação D³e (Dados para um Debate Democrático na educação) e o Itaú Social, propõe o número de 210 alunos por professor, levando em consideração os outros países estudados.

“É uma proposta de número máximo, considerando os achados do relatório anterior, de que raramente nesses outros países os professores têm mais de sete turmas”, afirma Moriconi. “E 30 alunos por sala é o que já traz a recomendação do PNE [Plano Nacional de Educação] nesse sentido.”

As recomendações dos pesquisadores são adotar a jornada de trabalho integral como padrão, e ter a parcial como opção; limitar a carga horária a 40 horas semanais; garantir um terço da jornada para trabalho extraclasse; pagar remuneração atrativa; e concentrar a atuação em apenas uma escola.

A professora Bruna conta que já teve oportunidade de trabalhar no ensino integral e acredita que esse é um bom modelo. “Eu sentia que conseguia realizar a maior parte das minhas atividades dentro da própria escola, e não em casa”, relata, pontuando que aumentar a hora-atividade e devolver carga horária para disciplinas como Artes, Sociologia e Filosofia também seriam mudanças positivas. “Conheço professores que dão aulas em cinco escolas diferentes porque, do contrário, não conseguem fechar suas cargas horárias.”

Outra professora que atua nos últimos anos do Ensino Fundamental e também no Ensino Médio, Karina Furlanete, 48, conta que há dois anos consegue trabalhar em uma única escola, mas que frequentemente precisava pegar aulas em duas ou três unidades de ensino no mesmo ano letivo.

“Hoje tenho dez turmas em três períodos diferentes, número pequeno comparado com o de meus colegas, porque minha disciplina tem três aulas semanais por turma. Este ano tenho cinco sétimos e um oitavo ano à tarde, três turmas de primeiro ano durante a manhã e uma turma de EJA Fundamental à noite. Somam 321 alunos, pois minhas turmas do sétimo ano são pequenas”, explica Furlanete, que leciona Ciências da Natureza e Biologia.

A docente acredita que, pela sua experiência, o Ensino Fundamental II deveria ter turmas limitadas a 25 alunos, já que os estudantes “requerem um grau de atenção muito grande” nesta faixa etária, além de haver diversas demandas e pouco tempo. O número de 30 alunos seria adequado para turmas do Ensino Médio, aponta.

Ela diz que não há “nenhum aspecto da carreira que seja verdadeiramente valorizado”. Para a professora, há um discurso de valorização do ensino, sobretudo em determinadas épocas do ano, mas isso não se reflete na prática.

“A sociedade olha para a docência como sinônimo de sacerdócio: ‘professor trabalha por amor’, não somos vistos como profissionais. Remuneração adequada, jornada de trabalho justa, inclusive em relação à quantidade de alunos e turmas, e condições materiais de trabalho é o mínimo que se deveria esperar da sociedade e dos governos eleitos por ela”, lista.

Entre os impactos na saúde, Furlanete relata que sofre de esgotamento físico e emocional, tem problemas para dormir e de concentração. “Sempre tentei tomar cuidado com minha saúde, pois via meus colegas com problemas muito graves em decorrência da sobrecarga de trabalho. Consegui controlar até a pandemia, mas desde 2020 tudo que já era intenso no trabalho piorou e cogitei me afastar da escola diversas vezes ao longo do ano passado”, diz.

POLÍTICAS EDUCACIONAIS

A professora do departamento de Educação da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Silvia Alves, que atua como pesquisadora na área de políticas educacionais, ressalta que os dados da pesquisa devem ser vistos como “aproximações”. No “chão da escola”, explica, o número de adoecimentos, por exemplo, acaba sendo maiores do que o que é divulgado.

Segundo Alves, nos últimos anos as instituições privadas têm conquistado espaço nas decisões educacionais dentro do MEC (Ministério da Educação), em detrimento dos movimentos de classe e entidades de docentes e de pesquisa.

De acordo com a pesquisadora, professores de português ou matemática, que são as disciplinas com mais carga horária, atendem com frequência mais de 400 alunos.

“Com a reforma do Ensino Médio, tivemos diminuição da carga horária de aula de outros componentes curriculares. Com matemática e português aumentados, esses professores passam a trabalhar muito mais, porque eles vão atender mais turmas”, explica. “Para as outras disciplinas, piorou o cenário, porque o professor vai ter que fazer compensação de carga horária não em duas ou três escolas, mas em quatro ou cinco por semana.”

Essas condições de trabalho impactam na saúde dos profissionais. Síndrome do pânico, burnout e depressão são as condições mais comuns.

“As realidades no campo da escola são muito diversificadas. Em um país com a territorialidade continental que é o Brasil, temos professores em condições de trabalho muito diversificadas e obviamente precarizadas. O que para nós no Paraná está parecendo ruim, no restante do Brasil pode ser muito pior”, acrescenta. “Por isso, falar da produção, do trabalho docente é muito delicado e é um campo de tensão, porque a gente tem que estar confrontando os dados socializados com a realidade.”

No ponto de vista dela, uma ação urgente é a valorização salarial e de carreira dos docentes, com a garantia do piso nacional. “Enquanto não olhar para o professor, primeiro para a sobrevivência dele, dificilmente teremos professores que queiram estar na escola”, citando também a importância da hora-atividade.

PARANÁ

Procurada pela reportagem, a Seed (Secretaria de Estado da Educação) afirmou que “como apontado pelo estudo, a rede estadual do Paraná tem uma boa situação no cenário nacional e está próxima da ‘recomendação’ do estudo, baseado em países de primeiro mundo e com bons sistemas de educação”, e que procura equilibrar a demanda das turmas com a dos profissionais.

A secretaria também informou que há um concurso com inscrições abertas. “O professor concursado pode estabelecer maior vínculo com a comunidade escolar e cumprir sua carga horária no mesmo local. Recentemente o Estado também anunciou o cumprimento do novo piso do magistério”, continua.

Outro ponto abordado pela pasta é que o Paraná possui, hoje, 253 colégios com educação em tempo integral. Em 2019, eram 73 unidades. Em relação à saúde dos trabalhadores, a Seed afirmou que lançou, em 2022, o aplicativo de telessaúde Bem Cuidar, que “oferece atendimento psicológico online e gratuito para profissionais da rede estadual de ensino”.

“Além do Bem Cuidar, a Seed-PR vai contratar psicólogos para atender a comunidade escolar. A contratação vai envolver 40 psicólogos para prestarem suporte aos 32 Núcleos Regionais de Educação e mais 200 bolsistas da área que vão realizar visitas periódicas às escolas”, acrescenta em nota.

Quanto ao número de alunos por turma, a secretaria afirmou que “a rede estadual do Paraná segue uma resolução (4.527/2011) há mais de um década, que estabelece limite de 30 estudantes para as salas de 6º e 7º anos e de 35 estudantes para 8º e 9º anos”.

A secretária executiva educacional da APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), Margleyse Adriana dos Santos, afirmou que o governo “guia-se por políticas meritocráticas de obtenção de índices e escores” que bonificam ou penalizam os professores nas escolas. E que essa política vem sendo criticada pela entidade sindical.

“Não só por não respeitar a condição de vida das mulheres, obrigadas a uma jornada dupla ou tripla de trabalho, como de resto tem intensificado o trabalho pedagógico levando a fadiga e o desalento à categoria”, aponta.

Ela também critica o fenômeno da “plataformização” e a “mercantilização” da educação pública, “guiado pelas reformas educacionais que possuem viés neoliberal”. Segundo a secretária executiva, o uso de algumas tecnologias na rede estadual - como o Redação Paraná, Leia Paraná e Matemática Paraná, por exemplo - como “ferramentas fins” acabam descaracterizando a noção do processo ensino-aprendizagem mediado pelo docente.

Por fim, a secretária executiva diz que a APP-Sindicato, junto com à CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), está fazendo “todos os enfrentamentos para diminuir essa grande sobrecarga dos nossas(os) professores(as), com a volta hora atividade, de valorização profissional e autonomia pedagógica, condições de trabalho levando em conta o número de alunos, de turmas e de escolas que um mesmo docente atua”."

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