Estudantes e docentes do CAAC (Centro Acadêmico de Artes Cênicas), da UEL (Universidade Estadual de Londrina), promoveram, na manhã desta quarta-feira (6), um ato contra o feminicídio, que teve como objetivo conscientizar a população sobre o crime.

A manifestação pacífica e silenciosa foi motivada pelo ataque registrado na madrugada deste domingo (3), no Jardim Jamaica, que deixou Julia Beatriz Garbossi Silva, de 23 anos, e Daniel Takashi Suzuki Sugahara, de 22, mortos por golpes de faca. Além das vítimas fatais, uma estudante de artes cênicas ficou ferida.

A organização do ato começou às 8h, em frente ao Cine Teatro Ouro Verde, no Calçadão de Londrina, com a confecção de cartazes. "Perseguição é crime! Queremos viver", "Que ser mulher não me custe a vida" e "Feminicídio não é crime passional" foram algumas das frases pintadas pelos participantes.

Com os cartazes em mãos e reunidos, os estudantes e os docentes iniciaram uma caminhada por todo o Calçadão. O ato atraiu a atenção de pessoas que passavam pelo local, além de comerciantes e funcionários de estabelecimentos.

"Queremos chamar atenção e conscientizar o máximo de pessoas possível sobre os casos de feminicídio. Os casos são muitos e esse não será o único ato. No dia 13, teremos uma manifestação na UEL junto com a reitora para que a Universidade crie uma política institucional contra a violência de gênero e de apoio às vítimas de assédio, perseguição e outros", explica Sandra Parra, que atua como docente no curso de Artes Cênicas.

A reitora da UEL, Marta Favaro, também esteve presente no ato desta quarta-feira. Segundo Parra, a Universidade tem se mostrado não somente presente em manifestações como esta, mas também agido de forma eficiente, especialmente por meio do Sebec (Serviço de Bem-Estar à Comunidade).

"Os atos que fazemos servem para mostrarmos para as vítimas que elas podem nos procurar para ter um amparo nesse momento. Estamos batalhando muito pela diversidade na Universidade e essa diversidade está chegando. Assim, a instituição precisa se preparar para atender essa diversidade e tudo que ela traz consigo", defende Parra.

FEMINICÍDIO

O Néias - Observatório de Feminicídios de Londrina defende que o crime cometido contra os jovens deve ser julgado como feminicídio - consumado, no caso de Garbossi e Takashi, e tentado no caso da estudante que sobreviveu.

Em uma publicação divulgada nas redes sociais, o Observatório explica que a Lei do Feminicídio (13.104/2015) não é aplicada somente a crimes nos quais há relacionamento íntimo prévio entre vítima e autor, mas a todos os nos quais há menosprezo por uma mulher pelo seu gênero. Para Néias, o crime se adequa à Legislação, uma vez que o acusado agiu motivado pelo sentimento de posse da vítima que sobreviveu ao ataque.

O Observatório foi responsável, também, por divulgar os esclarecimentos fornecidos pela sobrevivente. A estudante contou que já havia trabalhado com o acusado pelo ataque e que se afastou quando o homem demonstrou ter interesse amoroso. A decisão da vítima não foi respeitada, já que o acusado passou a persegui-la nas redes sociais.

Silvana Mariano, socióloga, integrante do Néias e coordenadora do Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídio), da UEL, defende que "a primeira hipótese a ser investigada deve ser a de feminicídio, já que o crime se encaixa no que as diretrizes nacionais e o protocolo do Estado do Paraná preconizam".

"Do que já se conhece publicamente, é feminicídio. A sobrevivente foi vítima de feminicídio tentado e cabe a interpretação de feminicídio por conexão para a vítima fatal feminina. É possível existir vítima de feminicídio por conexão de sexo masculino", explica a socióloga.

Para que crimes de feminicídio por conexão sejam classificados dessa forma, conforme aponta Mariano, a investigação deve esclarecer a dinâmica do crime e apontar se a vítima foi atingida por ataque dirigido à mulher. "Isso pode caracterizar o feminicídio por conexão. Do contrário, essa qualificadora perde efeito."

SEM JUSTIFICATIVA

Durante o ato desta quarta-feira, diversos participantes demonstraram sua revolta quanto à tentativa de justificar feminicídios.

"Nesses casos, é muito comum que os acusados apresentem justificativas como problemas psicológicos, falta de medicamentos e perturbação. O acusado pode ter um transtorno psiquiátrico, mas escolheu uma vítima específica. O mesmo acontece quando um homem justifica o ato de agredir a esposa quando está bêbado, por exemplo: ele está bêbado, mas não bate em ninguém no bar, bate na mulher", defende Parra.

REDES DE APOIO

O Monitor de Feminicídios no Brasil, elaborado pelo Lesfem, da UEL, aponta que, somente no primeiro semestre de 2023, o Brasil registrou 862 feminicídios. Desse total, 599 foram consumados e 263 foram tentados.

O Paraná, conforme mostra o relatório, é o terceiro Estado que mais registrou casos de feminicídio no período analisado, com 62 assassinatos. São Paulo e Minas Gerais ocupam as duas primeiras posições no ranking em números absolutos, com 122 e 90 crimes, respectivamente.

Na UEL, estudantes e professores têm se unido para auxiliar as vítimas de violência de gênero. Esse é o caso da Juntes, a Comissão de Prevenção à Violência de Gênero do Ceca (Centro de Educação, Comunicação e Artes).

De acordo com Thais D'Abronzo, que é docente do curso de Artes Cênicas da UEL e integra a Comissão, a Juntes recebe queixas enviadas por vítimas, que podem entrar em contato por e-mail ou pessoalmente com algum membro.

"Não temos nenhum instrumento jurídico, então fazemos uma mediação. Conversamos com as vítimas e cada caso é único. Em alguns, direcionamos para a Ouvidoria da Universidade para a formalização de uma denúncia. Em outros, trabalhamos com projetos pedagógicos de conscientização, como palestras e rodas de conversa", aponta.

As vítimas de violência de gênero do Ceca que desejarem receber o apoio da Juntes podem entrar em contato pelo e-mail [email protected].