A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) anunciou que vai flexibilizar o acúmulo de bolsas de estudo e atividades remuneradas no Brasil a partir de outubro deste ano. A portaria n° 133/2023 aponta que caberá às instituições e aos PPGs (Programas de Pós-Graduação) atualizar os critérios para permissão ou vedação do acúmulo.

A UEL possui 466 bolsas de mestrado e 550 de doutorado a partir da Capes, que é a principal agência de fomento
A UEL possui 466 bolsas de mestrado e 550 de doutorado a partir da Capes, que é a principal agência de fomento | Foto: Saulo Ohara/20-8-2018

É uma medida que acompanha outras alterações no cenário da pós-graduação no país. Em fevereiro, a Capes e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que são agências federais, já haviam atualizado os valores mensais das bolsas - de R$ 1,5 mil para R$ 2,1 mil, no mestrado, de R$ 2,2 mil para R$ 3,1, no doutorado, e de R$ 4,1 mil para R$ 5,2 mil, no pós-doutorado.

Para a diretora de pesquisa da Proppg (Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação) da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Suzana Mali de Oliveira, as mudanças são positivas e podem contribuir para ampliar o público da pós-graduação.

No caso dos valores das bolsas, a diretora ressalta que o aumento foi importante “porque nossos estudantes estavam sofrendo com valores há muitos anos sem reajustes”; já os critérios para o acúmulo serão discutidos na instituição com os programas.

“Uma vantagem é que permite que os programas tenham normas específicas dependendo de suas particularidades”, diz Oliveira, ressaltando que as informações sobre as bolsas devem ser repassadas à agência pela Plataforma Sucupira.

Para o coordenador da pós-graduação em Biotecnologia da UEL, André Luiz Martinez de Oliveira, que também é coordenador do Colegiado de Pós-Graduação, as mudanças propostas pela Capes são positivas e podem aumentar a procura pela área da pesquisa.

“O mercado de trabalho acabava sendo mais atrativo porque o valor das bolsas estava muito defasado. Eu vejo que é positivo para aumentar a procura e termos um nível mais elevado de doutores e mestres sendo formados”, afirma.

Para o coordenador, é possível conciliar a bolsa e um emprego formal, mas é necessário definir as prioridades “para ter sempre a melhor distribuição possível entre a dedicação exclusiva, que facilita ter trabalhos científicos de maior qualidade, e uma dedicação parcial”.

Segundo dados da Proppg, a UEL possui 466 bolsas de mestrado e 550 de doutorado a partir da Capes, que é a principal agência de fomento. Em nível federal, são 99,6 mil bolsistas.

‘RESPOSTA PARCIAL’

A jornalista e mestranda em Comunicação, Bruna Akamatsu, 24, acredita que as novas regras da Capes “funcionam como uma resposta parcial à realidade da pós-graduação no Brasil”. Isso porque, o número reduzido de bolsas e a escassez de políticas de assistência faz com que muitos pós-graduandos tenham que conciliar a pesquisa com algum vínculo empregatício.

“Atualmente, essas pessoas fazem uma jornada dupla sem receber remuneração pelas atividades da pós-graduação ou, no caso de alguns bolsistas, com uma remuneração insuficiente para cobrir as suas despesas”, diz. “Imagino que a possibilidade de acúmulo de vínculo formal e recebimento de bolsas será importante para essa realidade, ainda assim não considero que a mudança seja em seu todo positiva.”

Para Akamatsu, mesmo que traga benefícios para a categoria, a mudança é insuficiente pensando em uma valorização mais ampla da pesquisa no país.

“Permitir o exercício de mais de uma função para que se torne a remuneração mais atrativa ignora a ideia da dedicação exclusiva, que é importante para quem pretende seguir carreira acadêmica”, citando a necessidade de novos investimentos e que isso não pode desobrigar o Estado a reajustar as bolsas, por exemplo.

“Medidas como a inclusão da obrigatoriedade do reajuste das bolsas no Orçamento Plurianual, iniciativas de acesso e ampliação das bolsas de pesquisa e políticas de permanência dos pós-graduandos são fundamentais para que se incentive o surgimento de novos pesquisadores”, acrescenta.

‘EFEITO AGRIDOCE’

Para Fernando Leite Mateus, o cenário ideal seria uma valorização por meio de uma política de bolsas mais abrangente
Para Fernando Leite Mateus, o cenário ideal seria uma valorização por meio de uma política de bolsas mais abrangente | Foto: Douglas Kuspiosz

Já mestrando do curso de Letras da UEL, Fernando Leite Mateus, 25, cita um “efeito agridoce” com a implementação, já que, por um lado, pode incentivar que mais pessoas partam para a pós-graduação, e por outro, com a dupla jornada, possa causar “sobrecarga e conflitos de agenda, podendo prejudicar a dedicação às pesquisas e a formação desses profissionais.”

“Os discentes que precisarem despender grande parte do tempo com o trabalho de ‘carteira-assinada’ podem acabar priorizando determinadas atividades em detrimento da pesquisa. ”, acredita. Ele diz que o cenário ideal seria uma valorização por meio de uma política de bolsas mais abrangente. “E que possibilitasse, por meio da dedicação exclusiva à pesquisa, a garantia dos direitos trabalhistas que não nos são oferecidos durante esses períodos de trabalho.”

O mestrando ressalta que ser pesquisador é uma profissão que precisa ser reconhecida e valorizada, e que o reajuste nas bolsas “representa um passo importante nessa direção”. Mateus também lembra que, entre 2013 e 2023, houve um período de incertezas no campo da pesquisa, com cortes de bolsas.

“Certamente, o aumento do valor levou alívio aos milhares de alunos que recebem esse fomento, o qual é utilizado para custos de vida básicos, como alimentação e moradia, além dos gastos com a pesquisa, como livros, eventos, palestras e congressos, cujos preços estão cada vez mais elevados”, acrescenta.

O estudante também diz que a sua trajetória na pesquisa flerta com a questão do acúmulo da bolsa. Quando ingressou no programa, foi contemplado com uma bolsa, mas precisou deixar seu outro emprego.

“Nesse período, estávamos distantes do reajuste e dessas novas medidas que terão início a partir de outubro deste ano”, lembra. “O valor era bem menor do que aquele que eu recebia. Se eu não tivesse apoio dos meus familiares, aqui na cidade, com certeza não poderia ter aceitado a oferta, visto que o incentivo não seria suficiente para todos os gastos que eu teria com as necessidades mais básicas.”

FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA

A Fundação Araucária, órgão do governo do Paraná, vai acompanhar a decisão da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e permitir o acúmulo de bolsa de estudos e emprego formal.

A informação foi confirmada à FOLHA nesta quinta-feira (20) pelo diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da FA, professor Luiz Márcio Spinosa. No ponto de vista dele, essa é uma demanda antiga da comunidade e vai beneficiar tanto pesquisadores que já estão nas universidades quanto os que saíram e terão a oportunidade de retornar.

Segundo Spinosa, a Fundação Araucária deve seguir os prazos similares aos da Capes. “Devemos tentar compatibilizar para termos as duas iniciando em épocas muito próximas.”

Dados do órgão mostram que houve aumento na oferta de bolsas: foram 3.304 bolsas de IC (Iniciação Científica), 35 de mestrado e 12 de doutorado, no ano passado; e, até agora, 3.480 de IC, 130 de mestrado e 146 de doutorado em 2023.

“Por mais que a gente tenha atualizado os valores, [as bolsas] não são suficientes para, eu diria, reconhecer toda a contribuição que os pesquisadores podem dar”, diz.

FOMENTO

O diretor da Araucária explica que o financiamento estadual à pesquisa ocorre principalmente por meio de bolsas para programas de pós-graduação, e que o Paraná possui um “sistema muito robusto” para formação de mestres e doutores. “Mas também custeio, tudo aquilo que, de certa forma, em uma pesquisa você precisa utilizar”, citando insumos, mobilidade e equipamentos.