Escrevente diz que juiz investigava narcotráfico no Judiciário
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sábado, 15 de abril de 2000
Por Nelson Francisco
Cuiabá, 16 (AE) - O juiz Leopoldino Marques do Amaral, morto em setembro, no Paraguai, investigava o envolvimento de membros do Judiciário de Mato Grosso com o narcotráfico e o crime organizado na fronteira do Brasil com a Bolívia e Paraguai. As revelações constam de novos depoimentos que a escrevente Beatriz árias Paniágua, acusada de co-autoria do crime, fez no fim de semana, no segundo inquérito que apura a morte.
Antes de desaparecer, disse Beatriz, o juiz viajou em 2 de setembro para Cáceres, a 210 quilômetros de Cuiabá, Oeste do Estado, fronteira com a Bolívia. Na cidade, ele manteve contato com três advogados e uma mulher, que havia dado o nome fictício de Ana Maria da Silva, que teria repassado ao magistrado um envelope contendo documentos.
A documentação comprovaria o pagamento de propina a desembargadores em troca da anulação das sentenças do grupo do traficante Valdenor Alves Marchezzan. O traficante foi condenado a 12 anos de prisão por tráfico de drogas num episódio ocorrido em 1997, em Chapada dos Guimarães (MT), o qual ficou conhecido no Estado como "A Cocaína que Caiu do Céu".
Enquanto o advogado tentava anular a condenação, o traficante permaneceu foragido. Ele havia sido condenado anteriormente, em Santo André, no Grande ABC, em abril de 1992, com Baltazar Silva, Josebias Arco-Íris Caldas, Isaac Arco-Íris Caldas e Mauro Solano - este último morreu no acidente aéreo com o avião da TAM, em 1997, cuja bagagem era suspeita de levar droga, descoberta depois da queda.
Apesar do flagrante da Polícia Federal (PF) que constatou o envolvimento direto de Marchezzan e todas as provas da condenação dele em 1.a instância, o Tribunal de Justiça (TJ) absolveu o traficante devolvendo-lhe ainda o avião. "Só faltou devolver a cocaína", brincou um agente da PF que ajudou a conduzir o inquérito.
O curioso, revelam fontes da PF, é que, à época, o grupo de Marchezzan ficou pouco tempo preso na Penitenciária de São Paulo, no Carandiru, zona norte da capital. Eles conseguiram transferência para Mato Grosso, onde ganharam liberdade rapidamente.
Com a facilidade para deixar as prisões, o bando de Marchezzan cresceu e Baltazar Silva passava a travar disputas internas pelo controle da distribuição de drogas na fronteira que abastecia Rio e São Paulo. Baltazar da Silva separou-se da mulher, Ana Lúcia Pereira da Silva, nome correto do fictício "Ana Maria da Silva".
Leopoldino, que estava sendo acossado depois de formular acusações contra o Judiciário do Estado, foi até Cáceres (MT), onde se encontrou com Ana Lúcia e recebeu dela documentos dentro dentro de um envelope. A documentação, que estava no carro do juiz quando ele foi assassinado, desapareceu.
O advogado criminalista Everaldo Batista Filgueiras confirmou que os documentos entregues a Leopoldino comprometiam membros do Judiciário.
Naquela oportunidade, Filgueiras alertou delegados e juízes em Cáceres, durante o almoço com Leopoldino, no restaurante Kaskata Flutuante, que o juiz corria sério risco de vida em função das provas que havia obtido. Depois da viagem a Cáceres, Leopoldino desapareceu e foi encontrado morto no Paraguai, em 7 de setembro.