Rio, 12 (AE) - Na história do Brasil, houve um lapso de 300 anos, entre o descobrimento, em 1500, e a chegada da corte portuguesa, em 1808. As escolas de samba do Grupo Especial, que desfilam domingo e segunda-feira, contam assim a trajetória de 500 anos. Maurício de Nassau, os bandeirantes, nossos primeiros colonizadores e mesmo os índios que se destacaram serão banidos da Marques de Sapucaí.
Para contar a passagem de Dom João VI pela colônia, o Salgueiro, com o enredo "Sou Rei, Sou Guerreiro, meu Reinado é Brasileiro", de Mauro Quintaes, chamou pessoas conhecidas, que vão sambar na pele dos personagens. O comediante Castrinho vai ser o príncipe regente; Marcos Frota, o artista francês Jean-Baptiste Debret; o colunista Leão Lobo, o arquiteto Grand-Jean Montigni, e o diretor global Jorge Fernando virá como o imperador francês Napoleão Bonaparte.
A Imperatriz Leopoldinense, campeã do ano passado, vem com "Quem Descobriu o Brasil, Foi seu Cabral, no Dia 22 de Abril, Dois Meses depois do Carnaval". Em seu enredo, aparecem apenas Pedro álvares Cabral e seu escrivão, Pero Vaz de Caminha. O resto é delírio da carnavalesca Rosa Magalhães. Não faltarão caravelas nem paraísos tropicais, mas, personagem real, nenhum.
Joãosinho Trinta, foi outro que não conteve a imaginação na Viradouro. "Brasil: Visões de Paraísos e Infernos", alusão à obra do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, terá um Cabral solitário, entre infernos e paraísos europeus, o mar tenebroso (nome que tinha o Atlântico) e florestas amazônicas.
A Beija-Flor, com Brasil, um "Coração que Pulsa Forte, Pátria de Todos ou Terra de Ninguém", trará só Martinho Afonso de Souza, o primeiro governador-geral, como personagem histórico. O enredo conta como os portugueses descobriram o Brasil a partir de mensagens espirituais.
Mais presa ao factual, a Unidos da Tijuca resumiu os primeiros dias do Brasil, em "Terra dos Papagaios... Navegar foi Preciso", de Chico Spinosa. Cabral virá com sua esquadra e com ele o Frei Henrique Coimbra, encenando a primeira missa.
A vedete Virgínia Lane será ela mesma, em "Trabalhadores do Brasil - A Época de Getúlio Vargas", enredo da Portela. Segundo o carnavalesco José Felix, os principais auxiliares (Oswaldo Aranha, Gustavo Capanema) ou opositores (Carlos Lacerda, Graciliano Ramos) serão alas, mas as artes que floresceram na época estarão em carros alegóricos e é aí que entra a vedete, na alegoria que representa o tempo dos cassinos. Bandeira - A Mocidade Independente de Padre Miguel, que vem com "Verde-Amarelo, Azul-Anil, Colorem o Brasil no Ano 2000", nem se preocupou com personagens. Seu enredo homenageia a bandeira do Brasil e nenhuma personalidade estará na pista. A bandeira aparecerá também no enredo "Ordem, Progresso, Amor e Folia no Milênio da Fantasia", da Porto da Pedra, que critica a Proclamação da República, "sem a participação do povo", na opinião dos carnavalescos Jaime Cezário e Dalva Lazaroni.
A Mangueira volta ao Império e conta as relações de um ex-escravo com Dom Pedro II, em "Dom Obá II - Rei dos Esfarrapados, Príncipe do Povo". O fato verídico terá uma corte negra e outra branca (com a socialite Vera Loyola), mas ninguém como personagem verdadeiro. O mesmo ocorre com as duas escolas que homenageiam minorias.
A Unidos de Vila Isabel, com "Eu Sou Índio, Eu Também Sou Imortal", fala de sua cultura, sem referência a nenhum personagem. E a Tradição com "Liberdade! Sou Negro, Raça e Tradição", enfoca a herança cultural dos escravos. A Grande Rio se encheu de artistas e socialites para o enredo "Carnaval à Vista".
Só duas escolas falarão do passado recente. A Caprichosos de Pilares traz "Brasil, teu Espírito é Santo", que vai dos anos dourados ao fim da era Collor. A União da Ilha, com "Pra não Dizer que não Falei de Flores", escolheu como tema a ditadura militar, mas não trará Geraldo Vandré, autor dos versos do título. "Quis mostrar como a arte lidou com a repressão", explica o carnavalesco Mário Borriello.