São Paulo - O governo federal vai realizar neste ano o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) com a menor proporção de inscritos pretos, pardos e indígenas dos últimos dez anos. A prova também terá a menor participação de candidatos com isenção de taxa, ou seja, aqueles com renda familiar de até 1,5 salário mínimo.

Imagem ilustrativa da imagem Enem 2021 é o mais branco e elitista da década
| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Com isso, o Enem 2021 rompe uma trajetória de inclusão de estudantes negros e mais pobres. Desde 2009, as inscrições mostravam aumento da participação desses grupos na prova, que é a principal porta de acesso ao ensino superior no país.

A edição deste ano recebeu o menor número de inscrições dos últimos 14 anos. A prova, que já teve mais de 8,7 milhões de inscritos, teve em 2021 apenas 3,1 milhões.

A queda nas inscrições é reflexo da decisão do governo de retirar a isenção de taxa de quem faltou na última edição da prova, feita em um dos momentos de maior pico da pandemia no Brasil. O tema foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal).

Os dados mostram que a redução é puxada principalmente pela exclusão de estudantes negros e pobres. Um levantamento feito pelo Semesp (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior) mostra que 11,7% dos inscritos para o Enem 2021 são pretos. É a menor proporção desde 2009, quando eles representaram 6,3% dos inscritos. Em números absolutos, a prova chegou a ter mais de 1,1 milhão de inscritos pretos em 2016. Em 2021, eles serão apenas 362,3 mil.

Os pardos serão 42,2% dos participantes da próxima prova. É o menor percentual desde 2012, quando eles foram 41,4% do total. São cerca de 1,3 milhão de alunos pardos neste ano, um grupo que já ultrapassou 4 milhões de inscritos -mais do que o total de registros para a prova deste ano.

A redução também é expressiva entre os estudantes mais pobres. O número de inscritos com isenção da taxa por declaração de carência caiu 77% em relação à última prova. Só 26,5% das pessoas que vão fazer o Enem 2021 conseguiram a inscrição gratuita por terem tido a situação de vulnerabilidade financeira aprovada. Têm direito à isenção aqueles que cursaram o ensino médio em escola pública e têm renda familiar inferior a 1,5 salário mínimo ou que estão inscritos no CadÚnico. Na edição anterior, esse grupo representava 63% de todos os inscritos.

Ao todo, só 822,8 mil conseguiram a gratuidade por vulnerabilidade financeira. É o menor número de beneficiados desde 2017 - último ano em que esse dado está disponível.


Também houve queda de inscrição de 20,8% dos que têm direito automático à isenção por ter cursado o ensino médio em escola pública. Só 910 mil inscritos receberam a gratuidade, menor número desde 2017.

Manutenção de veto foi garantida na Justiça

Desde junho, quando o edital do Enem 2021 foi publicado, com a regra que retirava a isenção dos faltosos, entidades e especialistas alertavam para a exclusão dos estudantes mais pobres. A Defensoria Pública ingressou com ação judicial e um projeto de lei chegou a ser apresentado na Câmara para garantir esse direito. O governo Jair Bolsonaro, no entanto, conseguiu na Justiça manter o veto à gratuidade da taxa aos faltosos.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, justificou a retirada da isenção pela economia de recursos. Segundo ele, a pasta não pode arcar com os custos da prova de quem faltou anteriormente.

Entidades estudantis pediram para o STF (Supremo Tribunal Federal) determinar a reabertura das inscrições do Enem com isenção aos ausentes. "O ministério sabia que manter essa regra iria resultar na exclusão dos mais pobres e, ainda assim, decidiu mantê-la. Por isso, esperamos que a justiça possa intervir e reverter essa situação cruel", diz Frei David, presidente da Educafro, uma das entidades que ingressaram com a ação.

Para ele, a exclusão dos alunos pobres e negros faz parte da política do governo de não garantir o acesso ao ensino superior. Em agosto, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que as universidades devem ser para poucos. "O ministro conduz com maestria a política que defende, a de excluir pobres e negros. Eles querem que a universidade seja para poucos e o Enem deste ano é o primeiro passo para esse objetivo."

Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, diz que os dados de inscritos mostram um retrocesso histórico no Enem. Quando o exame se transformou em vestibular nacional em 2008, tinha como objetivo facilitar o acesso ao ensino superior. "A participação dos estudantes historicamente mais excluídos vinha aumentando ano a ano, ainda que em um ritmo aquém do necessário. Agora, depois de dez anos de crescimento, temos um enorme retrocesso."

Além de selecionar estudantes para as universidades públicas do país, o Enem também é critério de acesso a bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos) e Fies (Financiamento Estudantil) em faculdades particulares.

Criadora do Enem, Maria Inês Fini diz que a retirada da isenção para quem faltou durante a pandemia é uma "punição cruel" aos estudantes. Em 2018, quando foi presidente do Inep, órgão responsável pela realização da prova, Fini criou a regra que retirava a isenção para quem faltou na edição anterior sem apresentar justificativa. Apesar de ter estabelecido a regra, ela diz que a medida deveria ter sido suspensa neste ano.

"A regra foi criada para evitar o desperdício de dinheiro público, dando a chance para que o aluno justificasse a sua ausência. Mas em um momento de pandemia não há como se exigir um documento que justifique o medo de adoecer, de contaminar os familiares." "Manter a regra nessas circunstâncias é uma demonstração de total incompreensão sobre a importância do Enem. É falta de solidariedade, de compaixão", completa.

A Folha questionou MEC e Inep sobre os dados de inscrição e a possibilidade de rever a retirada de isenção dos candidatos. A pasta não respondeu.