Em Maringá, milhares de pessoas se reúnem em ato por Magó
Ato de repúdio ao feminicídio e em homenagem à bailarina Maria Glória Poltronieri Borges reúne cerca de 5 mil pessoas
PUBLICAÇÃO
sábado, 01 de fevereiro de 2020
Ato de repúdio ao feminicídio e em homenagem à bailarina Maria Glória Poltronieri Borges reúne cerca de 5 mil pessoas
Walkiria Vieira - Grupo Folha
Familiares, amigos e pessoas que não conheciam Maria Glória Poltronieri Borges, 25, assassinada no fim de semana passado, se reuniram em Maringá, no sábado (1), para dizer não à violência. A jovem era bailarina, estudante e professora de dança. Foi encontrada morta - asfixiada com sua roupa íntima e sinais de violência sexual - próxima a uma cachoeira no município de Mandaguari (Noroeste), no domingo (26). O crime chocou a população e amigas começaram a se mobilizar com o objetivo de chamar a atenção para o feminicídio em toda a região.
Se a notícia de sua morte tomou as redes sociais pela tristeza e indignação - e também com mensagens enaltecendo Magô e amparando seus familiares -, a mobilização de sábado surpreendeu até mesmo o pai da jovem, Maurício Borges. "Eu sabia que as amigas estavam organizadas e pedindo apoio, mas quando cheguei aqui e vi essa quantidade de pessoas, eu me emocionei muito. Estou canalizando minhas forças por essa bandeira, que a partir de agora será a minha missão." Com uma rosa branca nas mãos, o pai enlutado abraçou cada um que chegou a ele para confortá-lo e acabou também por consolar todos que estavam tomados pela recente perda. "Com a morte da minha filha de uma maneira tão atípica e absurda, pude ver que ela era muito mais amada e especial que eu já sabia. Se estivesse aqui, estaria dançando, era o que amava fazer."
Faixas, cartazes, poesias e apresentações artísticas marcaram o evento agendado para às 16 horas. Bem antes disso, já havia grande concentração com centenas de pessoas engajadas em pedir paz e amor à vida. Mariza Poltronieri, tia da bailarina, considera que a ação organizada foi positiva. "É um protesto, mas antes disso, um pedido de amor à vida e não só das mulheres vitimas de violência. Esse momento tão triste nos faz observar o significado que a morte dela tem no sentido de proteger as mulheres e toda a humanidade. Maria Glória era pura vida. Ela dava aula de capoeira, atuava na inclusão social e acreditava que a arte tem o poder da transformação. Eu espero que as pessoas percebam com esse movimento que a vida tem valor e essa é uma marcha de valorização à vida e à liberdade. Eu vou te dar um abraço, como a Magô faria para agradecer você por estar aqui e ela te olharia nos olhos", disse.
"Existo porque resisto"
"Existo, existo. Existo porque resisto". Os versos foram parte do grito pela vida durante todo o evento. Estudante de Artes Cênicas, Serena Vieira integra o movimento Resis Trans e relata que a violência aos transexuais também deve ser banida. "Os dados no Brasil são alarmantes e temos que falar que todos os tipos de feminicídio devem ser combatidos e punidos, pois vivemos todos com medo e até dentro das universidades há preconceito, perseguição e violência." Integrante do movimento coletivo feminino "Nenhuma a Menos", Maria Joana Casagrande diz que seu objetivo com o ato é que isso não aconteça mais. "Foi algo muito brutal e tocou a todos. De uma forma ou outra, uma perda como essa faz cada um se colocar no lugar da família e esse é um momento de agregar forças, se indignar e de pedir socorro. Como pode alguém não ter direito à segurança e escolher os seus caminhos, como estar em contato com a natureza?", questiona.
"Eu nunca vi algo assim na minha vida. A morte de uma pessoa reunir tanta gente assim e até pessoas que não a conheciam diretamente, diz Bruno Umbezeiro, presente no encontro. Os óculos escuros escondiam as lágrimas e acrescentou: "Essa agressividade é muito impactante. Magó foi rezar", reflete. A professora de dança Luciana Picoli também demonstrou sua consternação. "A intenção dela era a mais linda possível e sofreu uma violência brutal", ressente-se. "Estou aqui há exatos oito meses e Magó foi a primeira pessoa que conheci na cidade. Nós nos mudamos por conta do trabalho de meu marido e tive a alegria de fazer amizade desde o primeiro dia em que levei meu filho de dez anos para fazer aula de dança afro com ela - desde então me acolheu com muita doçura", recorda.
Momentos de alegria com a jovem levada de forma abrupta foram compartilhados nas rodas de conversas formadas no entorno da Prefeitura de Maringá. A dor coletiva estampou o semblante de jovens, senhoras, crianças e as lágrimas não contidas misturaram-se às canções em coro. As palmas eram todas para Magó. Quadra a quadra, a avenida 15 de novembro foi recebendo mais pessoas. Do alto dos edifício e nas calçadas, veio mais apoio e, pouco a pouco, a via interditada foi ficando estreita.
Estima-se que cerca de 5 mil pessoas compareceram ao ato e, de acordo com informações da Semob (Secretaria de Mobilidade Urbana de Maringá), três viaturas e cinco agentes estavam presentes para dar suporte ao trânsito e orientar os motoristas e pedestres. Bandeiras de partido estavam autorizadas a serem recolhidas para que o evento não fosse usado politicamente.
A irmã de Magó e a mãe acompanharam todo o trajeto e agradeceram a todos pelo respeito e amor à jovem. O percurso de cerca de dois quilômetros teve início na avenida XV de Novembro, seguiu pela rua São Paulo, depois alcançou as avenidas Brasil e Paraná até chegar à Tiradentes. O encerramento se deu na frente da Catedral de Maringá. Durante a passeata, todos os cruzamentos foram fechados e os motoristas aguardaram a passagem em sinal de respeito.
Londrina
Em Londrina, um ato também em homenagem à Magó reuniu cerca de 50 pessoas no Zerão, na tarde de sábado. Os participantes pintaram cartazes com frases de repúdio ao feminicídio e houve roda de capoeira.
Além de Curitiba, Maringá e Londrina, ocorreram ou estavam planejados atos semelhantes em outras cidades do País. Os cartazes levantados pelas mulheres trazem um pedido e um alerta: "parem de nos matar".