A forma grave da obesidade mais que dobrou entre estudantes da rede municipal no período de cinco anos. É o que mostra o mais recente levantamento antropométrico realizado pela Secretaria de Educação de Londrina.

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Ao todo, foram avaliados mais de 25 mil alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental em agosto e setembro deste ano, com idades entre 6 e 10 anos. Desse total, 7,74% – ou quase 2 mil estudantes – têm obesidade grave, índice que supera o dobro do registrado cinco anos atrás, em 2016, quando 3,64% dos alunos estavam nessa condição.

Nos últimos dois anos, os casos de obesidade grave cresceram de forma mais acentuada – em 2019, no período pré-pandemia, 4,48% dos estudantes estavam nessa condição, o que representa um aumento de 72%. Em 2020, por conta do coronavírus, a avaliação não foi realizada nas escolas.

A nutricionista Lucievelyn Marrone, professora e coordenadora do curso de nutrição da UniFil, considera que a pandemia pode ter influenciado no aumento do índice de obesidade entre os alunos.

“As crianças ficaram mais dentro das suas casas, de forma mais sedentária, mais tempo ociosas e com maior ansiedade, sem as brincadeiras, sem a educação física, sem o contato com os colegas. Se já havia pouco gasto energético antes, foi reduzido ainda mais com a pandemia”, diz.

A nutricionista entende que o momento pandêmico tornou as crianças mais ansiosas, já que não poderiam passear, viajar, por exemplo. “A alimentação entraria nesse sentido como uma forma de fuga. Já que o pai não pode levar ao shopping, vai fazer algo em casa. A forma de preparar uma alimentação mais prática, com frituras, pipoca e doces, pode ter influenciado nesse aumento do peso.”

Ela considera que a pandemia só intensificou o que já estava ocorrendo antes. “As crianças, de um modo geral, já consomem poucas frutas, verduras, legumes e, por outro lado, a alimentação delas acaba sendo baseada em alimentos processados e ultraprocessados.”

Entre os alimentos ultraprocessados mais consumidos pelas crianças estão os salgadinhos industrializados, bebidas açucaradas (refrigerantes e sucos de saquinho e de caixinha), doces, sopas instantâneas e biscoitos recheados. “Os alimentos ultraprocessados são de fácil disponibilidade. No entanto, por mais que sejam mais práticos, baratos e disponíveis, é preciso muito cuidado e evitar ao máximo na dieta do dia a dia das crianças.”

Para que a obesidade se desenvolva, há fatores desencadeantes, como ambientais, genéticos e socioculturais. “O fator ambiental é um dos principais, já que cerca de 70% dos casos vêm dele, o que inclui alimentação e sedentarismo, que podem ser os maiores responsáveis por esse aumento da obesidade.”

A nutricionista destaca que, mesmo antes da pandemia, as crianças já ficavam muito tempo em frente à TV, com celulares, tablets e pouco tempo dedicado às brincadeiras que podem levar a um maior gasto energético.

OBESIDADE

Nos últimos cinco anos, os casos de obesidade entre os estudantes da rede municipal cresceram quase 30%. Segundo o levantamento, 18,97% dos alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental estão obesos atualmente. Em 2016, ano em que a Secretaria de Educação implantou a avaliação, 14,71% estavam nessa condição.

Os casos de obesidade grave entre os estudantes são comunicados aos postos de saúde da região onde mora o aluno. “Os profissionais de saúde dos postos estão contatando as famílias desses estudantes para acompanhamento. Além disso, estão sendo marcadas palestras com nutricionistas nas unidades de saúde”, destaca Maria Tereza Paschoal de Moraes, secretária municipal de Educação.

A nutricionista Lucievelyn Marrone considera que, para reverter esse quadro, é preciso um olhar bastante atento às crianças, uma vez que elas podem se tornar adultos obesos.

“Precisamos de uma conscientização sobre alimentação, sobre estilo de vida adequado. Políticas públicas de combate ao excesso de peso, de combate à obesidade, seja na forma de educação alimentar, dentro das escolas, dos postos de saúde e nos espaços abertos. É preciso que o tema alimentação e estilo de vida saudáveis seja inserido urgentemente no dia a dia das crianças, para que elas tomem essa consciência.”

No caso da obesidade infantil, aumenta muito a probabilidade de a criança se tornar um adulto obeso e com isso adquirir todas as comorbidades associadas ao excesso de peso. “Doenças como dislipidemia, hipertensão arterial, problemas cardiovasculares, diabetes tipo 2 e até mesmo câncer, que pode ser desencadeado por conta da alimentação e do estilo de vida inadequado”, lista.

E essas condições, inclusive, podem aparecer mais cedo. “Por conta de toda essa transição nutricional, dessa mudança do padrão alimentar e do estilo de vida, essas doenças estão surgindo de forma precoce nas crianças, o que traz um efeito bastante devastador para a qualidade de vida delas”, pontua.

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MAGREZA

No caso dos alunos que estão com magreza acentuada, Moraes explica que esses estudantes estão sendo acompanhados por 24 professores mediadores, que fazem visitas frequentes às famílias para verificar a situação e dar os encaminhamentos conforme cada caso.

“Desde abril do ano passado, esses professores já fizeram mais de 10 mil visitas às residências dos estudantes”, pontuou. Em cinco anos, o índice de magreza acentuada caiu de 0,51% em 2016 para 0,34% em 2021.

Segundo a secretária, assim que estourou a pandemia, em março do ano passado, 12 mil alunos cadastrados em programas sociais receberam um kit de alimentos. No mês seguinte, teve início a entrega de cesta básica mensal para esses estudantes, ação que que se estendeu por um ano.

“No caso das famílias que não iam buscar as cestas nas escolas, os professores mediadores faziam as visitas nas casas para fazer as entregas. Muitas perderam renda e não tinham dinheiro nem para o ônibus”, relembra.

A partir de abril deste ano, os 12 mil alunos que recebiam a cesta básica mensal passaram a integrar o programa Londrina Cuidando da Gente, coordenado pela Secretaria da Assistência Social.

Então, eles começaram a receber, todo mês, cartões com créditos para serem gastos nos supermercados. O valor varia de R$ 92 a R$ 180, dependendo do número de crianças na família.

EFEITOS

Segundo Lucievelyn Marrone, a deficiência nutricional caracterizada pela carência de energia, proteínas e demais nutrientes na infância pode provocar prejuízos para a saúde atual e futura da criança.

“Além da perda de peso em decorrência da carência energética, a desnutrição na infância pode levar a diversas doenças, desde a carência de nutrientes (vitaminas e minerais), redução do crescimento físico/baixa estatura, até um déficit no aprendizado. Na vida adulta, pode gerar problemas com o peso e doenças crônicas”, lista.

A deficiência específica de vitaminas e minerais pode causar diversas doenças, como anemia, raquitismo, escorbuto, cegueira noturna e osteoporose.

ALEITAMENTO

O cuidado com a nutrição infantil deve ser iniciado logo após o nascimento, com o aleitamento materno. “Todo o processo de aleitamento exclusivo até o 6º mês de vida e a partir daí a introdução alimentar de forma adequada é imprescindível para que a criança adquira hábitos alimentares saudáveis.”

Muitas vezes, o erro ocorre na forma de introduzir a alimentação complementar. Por serem sabores não conhecidos pelas crianças, o reflexo inicial é de recusa, mas a nutricionista reforça que é preciso oferecer várias vezes, pois são sabores que precisam ser conhecidos e aprendidos, diferentemente do sabor doce, inato da criança, por isso é muito mais fácil ela aceitar algo doce ou adoçado do que um suco natural, por exemplo.

“Essa recusa inicial não pode ser entendida e aceita como um ‘não gostar’, justamente por esse aprendizado que deve ocorrer”, ensina.

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