SÃO PAULO, SP - Beber mais do que o habitual costuma ser parte do combo de quem decide aproveitar ao máximo o Carnaval, seja participando de blocos ou correndo atrás de trios por horas. Contudo, os efeitos colaterais e o alto teor calórico das bebidas fazem as gerações mais novas optarem por drogas ilícitas, empurrando os drinques para o fim da lista de substâncias preferidas.

A estudante Priscila (nome fictício, a pedido), 20, diz que o sabor do álcool nunca foi seu favorito. O efeito psicoativo da bebida também não chama sua atenção, o que faz com ela só tome algumas cervejas em eventos sociais "mais tranquilos".

Quando precisa de uma alternativa, opta pela anfetamina. É também o que fará no carnaval.

"O que eu mais tenho costume de usar é MD, ou qualquer coisa que me deixe mais animada em eventos grandes em que eu precise aguentar muito tempo." A jovem se refere à substância MDMA, que possui o mesmo princípio ativo do ecstasy.

A conveniência também é um problema do Carnaval nas ruas. "É complicado ficar comprando bebida em bloquinho, tendo que ir atrás e se arriscar. Prefiro no máximo beber antes e repor com droga no local."

Comportamentos como esse reforçam a suposição de que os jovens da geração Z bebem menos do que os de gerações anteriores.

Um estudo patrocinado pela ONU (Organização das Nações Unidas) com amostras de 2017 e 2018 indica que o consumo de álcool por adolescentes caiu em relação aos anos anteriores. O trabalho, porém, entrevistou apenas jovens do Canadá e da Europa.

Contudo, a ideia de que os jovens da geração Z - nascidos entre o final dos anos 90 e a primeira década dos anos 2000 - não consomem tanto álcool, não está de acordo com a realidade dos brasileiros.

No Brasil, a Pesquisa Nacional em Saúde do Escolar indica um aumento no consumo de bebidas alcoólicas por estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental.

A porcentagem de alunos do período que já consumiram álcool ao menos uma vez na vida passou de 52,8%, em 2012, para 63,2%, em 2019. O consumo de outras drogas também aumentou, mesmo que mais discretamente.

Apesar dessa tendência observada nas pesquisas, o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), afirma que é comum encontrar jovens que não bebem ou bebem menos.

"O álcool é muito calórico, outras drogas são menos", diz. "Hoje vemos uma mudança de padrões sociais em relação ao acesso a drogas ilícitas, e muitos jovens podem acabar tendo contato com elas sem experimentar o álcool primeiro."

Após algumas experiências, a estudante Priscila não é a única que relata incômodo com os efeitos do álcool e dá preferência a outras substâncias.

João (nome fictício, a pedido), 23, reduziu o consumo do álcool após perceber que se incomodava com efeitos como perda de controle e de memória. "Sinto que com outras drogas consigo me divertir mais, ter mais controle sobre mim e sobre a situação e também evitar incômodos ou até riscos à segurança como o álcool proporciona."

O psiquiatra Arthur Guerra afirma que há risco de dependência em qualquer droga, inclusive o álcool. Durante a fase de desenvolvimento até os 19 anos, o profissional aponta que também há prejuízos neuropsíquicos.

"O uso recorrente de drogas nessa fase pode levar a problemas de memória, concentração, prejuízos na vida sexual", pontua Guerra. O especialista destaca que, apesar do álcool ser mais tolerado socialmente, seu uso precoce também pode acarretar problemas.

Redução de danos

A nutricionista Leane Santos, da Beneficência Portuguesa, afirma que trocar o álcool por outras substâncias não é uma estratégia recomendada pelos profissionais.

"A chave é o equilíbrio e a redução de danos", aconselha. Para evitar prejuízos maiores à dieta e efeitos colaterais indesejados, Santos indica intercalar os drinques com água e comer antes de sair.

"É mais aconselhado escolher bebidas simples e que você beba menos", aponta. "Restrigir completamente também não é a melhor opção, pois a tendência é que você compense em outras coisas."