O governo do Paraná pretende implantar um programa de gestão cívico-militar em até 200 escolas estaduais que registram índices de aprendizagem insatisfatórios, evasão escolar e estão localizadas em bairros em situação de vulnerabilidade social. Porém, garante que as comunidades escolares serão consultadas se desejam aderir ou não à "militarização”. Conforme o projeto de lei que autoriza e implementa o modelo avança de forma rápida na Assembleia Legislativa, especialistas ouvidos pela reportagem apontam que a solução agrada às famílias que enxergam na disciplina militar uma “salvação” e pode ser eficaz a curto prazo. Entretanto, por si só, não garante as formações humana e crítica aos jovens que enfrentarão consequências e desafios ainda mais intensos da revolução digital ao longo da próxima década.

O texto prevê que a Seed realize uma consulta pública sobre a adesão ao projeto
O texto prevê que a Seed realize uma consulta pública sobre a adesão ao projeto | Foto: Anderson Coelho/28-11-2018

Segundo apurou a reportagem, o projeto 543/2020, que tramita em regime de urgência, retorna à pauta dos deputados nesta segunda-feira (28) após ter recebido pareceres favoráveis dos relatores, Delegado Jacovós (PL), da Comissão de Finanças e Tributação, e Houssein Bakri (PSD), da Comissão de Educação. Os deputados Arílson Chiorato (PT) e Professor Lemos (PT), votaram em separado de forma contrária aos relatores. Porém, em primeira discussão, o projeto de lei foi aprovado por 45 votos favoráveis e seis contrários, mas recebeu emendas e voltará à CJJ (Comissão de Constituição e Justiça).

Se aprovado da forma original, o texto prevê que a Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte) indique até 200 escolas localizadas em municípios com mais de 10 mil habitantes e que tenham, no mínimo, duas escolas estaduais, para realizarem uma consulta pública sobre a adesão ao projeto. A nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) também poderá usada como critério. Para a validação, serão levados em consideração os votos da maioria absoluta dos integrantes da comunidade escolar, e para a aprovação, a maioria simples.

A gestão compartilhada entre militares e civis ocorrerá do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. O texto original também veta a realização de qualquer tipo de processo seletivo para o ingresso na unidade escolar, sendo o fator preponderante para a escolha das unidades a presença de outras instituições de ensino próximas. Desta forma, alunos e professores que não desejarem permanecer poderão solicitar a mudança, aponta em entrevista à FOLHA o diretor-geral da Seed, Gláucio Dias.

O projeto de lei também prevê que os cargos de diretor da instituição de ensino, diretor-auxiliar, corpo docente, equipe pedagógica e administrativa sejam ocupados pelos atuais servidores da rede estadual. Já os militares, cujas indicações ficarão a cargo da Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública), também ocuparão cargos na diretoria e cada escola poderá contar com até quatro monitores.

Dias explica que o diretor militar será subordinado ao civil e que, acima de qualquer ponto de vista “ideológico”, estarão garantidas as "liberdades individuais, o direito de aprender e o pluralismo de ideias".

Para a implantação do projeto, a maior parte dos recursos será destinada à compra dos uniformes e, em segundo lugar, ao pagamento de diárias aos militares da Cmeiv (Corpo de Militares Estaduais Inativos Voluntários). “Já é uma proposta levada para o debate no Plano de Governo, já foi referendado pela sociedade no momento da eleição e a inspiração deste modelo é Goiás”, explicou. O estado do Centro-Oeste possui 36 escolas e para 2020 foram incluídas outras duas através do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, do Ministério da Educação.

Questionado sobre o investimento total, o diretor diz que não tinha certeza para avaliar. Entretanto, o tema foi alvo de críticas da oposição a Ratinho Junior na Comissão de Finanças. O deputado Arílson Chiorato disse que houve classificação equivocada sobre o pagamento diárias, incluídas na denominação "outras despesas correntes" da própria Seed, na ordem de R$ 25,5 milhões anuais. Já para os uniformes, foram destacados R$ 40,3 milhões.

Com 14 colégios militares espalhados pelo País sob o comando do Ministério da Defesa, o Brasil vê aumentar o engajamento pela modalidade desde antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro. O fenômeno das escolas cívico-militares também é registrado em redes particulares de ensino. Já em Londrina, o modelo foi implementado no Colégio Estadual Professora Adélia Dionísia Barbosa, na zona norte, porém no escopo do projeto do Ministério da Educação. Já o Colégio da Polícia Militar, o antigo Colégio São José, no Jardim Leonor, funciona desde o ano passado.

Para o presidente da APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná), Hermes Leão, os desafios da educação encontrados nos corredores das escolas devem ser resolvidos por profissionais da educação “com a devida valorização e investimentos adequados”. “A Polícia Militar tem uma formação para a segurança pública, que deveria ter um caráter mais preventivo e já é uma formação para a repressão nas nossas culturas paranaense e brasileira. Nós temos posição contrária e entendemos que não é um modelo de emancipação que de fato buscamos no processo de emancipação”, avalia.

TEMPO INTEGRAL

Diretor-executivo do Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho considera que existe um "mau uso das informações" quando se defende a implementação das escolas militares. O apontamento leva em conta os "ótimos dados apresentados por escolas geridas por militares e que realizam processos seletivos, tornando natural que os resultados sejam maiores de partida, porque você está privilegiando alunos com melhores rendimentos ou outras variáveis familiares". "Do ponto de vista de política pública, a solução da escola cívico-militar não tem respaldo nenhum na evidência empírica. É preciso ter isso em mente", destaca.

Já a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV-RJ (Fundação Getúlio Vargas), Claudia Costin, lembra que, neste modelo, os militares terão um papel de cuidar da disciplina numa lógica própria do século 19, "em que você organiza os jovens e forma alguns para serem vigilantes dos seus colegas no processo de disciplina", avalia.

Assim como Nogueira Filho, Cláudia Costin cita a experiência da rede estadual de ensino de Pernambuco como um modelo que privilegia a disciplina, porém, através do engajamento. Há cerca de dez anos o estado nordestino adotou um modelo de educação em tempo integral. "Estava em penúltimo no Ideb e hoje está em quarto lugar. Visitei 50 escolas e não vi uma cena de indisciplina. O jovem é convidado a ser o protagonista da sua trajetória escolar, ele passa a trabalhar em um projeto de vida a partir do Ensino Médio e aprende a ter disciplina pelo engajamento", explica Costin.

Sobre o modelo "goiano" no qual o Paraná buscou inspiração, Costin diz acreditar que poderá trazer bons resultados a curto prazo, porém, dificilmente irá "formar pessoas para o século 21". "Vivemos a 4ª Revolução Industrial em que a Inteligência Artificial vem substituindo o ser humano e você tem que pensar a educação dos jovens para terem um pensamento sistêmico, crítico e desenvolverem autonomia, muito mais do que simplesmente seguirem regras como prender o cabelo e se ‘comportar’", critica.

Com base nos resultados do Ideb de 2019, divulgados há poucas semanas, Costin acredita que o Paraná está no caminho certo e não precisaria de escolas militares. No Ideb, o Ensino Médio paranaense apresentou evolução da nota 3,7, em 2017, para 4,4 no ano passado. Já nos anos finais do Ensino Fundamental, a evolução foi de 4,5 para 5,1.